Primeira Vez
Nesta manhã tivemos progresso. O primeiro. Ela, desta vez, sentou ao meu lado, longe do grupo de costume - que a turma costuma chamar de “os estranhos” -, embora sua vaga estivesse livre, reservada, como todas as manhãs. Chegou atrasada, sentou ao meu lado e perguntou “perdi muita coisa?”. Eu, estático – como nunca estivera perante garota nenhuma -, balancei a cabeça num sinal negativo. Balancei a cabeça, e só! Como se indiferente fosse o primeiro contato, tantas vezes programado em minhas ilusões; como se, na verdade, não a desejasse por completo desde o primeiro momento que a vi.
Não me agrada o modo como prende o cabelo negro, nem o exagero de brincos e metais pregados ao corpo, nem sua voz, nem suas constantes interrupções durante as explicações. Na verdade, nada me agrada visualmente em sua composição, mas por uma razão – que não sei dizer qual, não consigo parar de pensar nesse conjunto tão estranho aos meus olhos. Penso nela. Com raiva, desdém, tentando desprezar e afundar essa paixão indesejada que sempre senti. Desde sempre, antes mesmo de vê-la. Passo as manhãs extasiado pela sua presença sem igual, o resto do dia esperando as horas passarem para que chegue logo a próxima manhã, e assim poder senti-la, ainda que sem tocá-la.
Embora tanto tenha cobiçado por um instante de nós dois, estanquei por completo minha respiração quando pude tê-la tão perto de mim. E silenciei, acabando por tomar a única hipótese na qual em nenhum pensamento teria cogitado fazer. Silenciei por medo que o exagero do meu desejo bastardo entregasse-me indefeso às suas mãos. Silenciei por medo de derramar tanto amor.
Ela desprezou meu silêncio e insistiu em provocar-me, obrigando-me a suportar a sua presença, seu cheiro e seu cabelo desarrumado. Nada mais falou, mas perto ficou para que eu pudesse desvendar tanto querer, bem como eu sempre quis.