Chapeuzinho, quem diria...
Chapeuzinho era chamada de Chapinha Vermelha quando finalmente superou o traumático episódio da floresta. Graças aos avanços da tecnologia cosmética, seus cabelos, antes indomáveis e escondidos sob o capuz, balançavam soltos, lisos a vapor. Como toda garota boazinha que se preze, Chapinha adolesceu em graça, formosura e rebeldia - expressa nas pontas vermelhas.
O confronto com o lobo aproximou as famílias de vítima e salvador. Visitavam-se nos aniversários e feriados. A companhia preferida de Chapinha nessas ocasiões era Cássio, o filho mais velho do caçador. Cássio era excelente pessoa: bem educado, bom caráter, gentil. E estava se saindo muito bem na profissão de Caçador de Pipas. Boazinha Chapinha não era – com a história do lobo, havia aprendido a não pôr o chapéu onde a mão não alcança. Mas era boazuda e Cássio caiu de amores.
No pedido de casamento, o rapaz surpreendeu-a com um anel de família, herança do bisavô Fernão, o Caçador de Esmeraldas. Chapéu, cheia de encantos, encantou-se pelo rapaz de maneiras encantadoras. Os primeiros tempos de vida em comum foram encantados. O marido, um encanto que só vendo, não se descuidava nos mimos. É o chapéu que faz o homem, justificava-se, com franqueza encantadora. Os negócios da família prosperaram e ela tornou-se Hatty, presença constante no high society. Formavam um casal de se tirar o chapéu.
Com o tempo, no entanto, Hatty passou a sentir um vazio inexplicável. A vida era tediosamente feliz. Cássio era tão solícito e apaixonado, que dava vontade, como diria a finada vovozinha, de mandar tudo para a Casa do Chapéu.
Na estréia de um show patrocinado pelo marido, Hatty se sentiu irresistivelmente atraída pelo guitarrista com cara de mau. Aquelas manoplas, aqueles olhos tão grandes, aquela voz rouca lhe evocavam lembranças... Procurou se informar: chamava-se Lobão e ninguém podia dizer que era lobo em pele de cordeiro. A dondoca deu um chapéu no marido e aproximou-se do bad wolf. Sentiu-se como Bela Adormecida, despertada por beijos lupinos.
A vida voltava a ter sentido: por Lobão, Hatty perdeu o chapéu e a cabeça. Por causa dos dois, Cássio passou a usar chapéu de touro. O marido foi compreensivo: afinal, um dia é da caça e o outro é do caçador. Propôs esquecer tudo. Quem sabe uma viagem a Minas, para visitar o primo Milton, o Caçador de Mim ou a Alagoas, terra do Fernando, Caçador de Marajás? Hatty fincou pé. Mirou-se em Luma de Oliveira: também queria viver seu amor bandido.
Lobão era polêmico, envolvia-se com drogas, indispunha-se com as gravadoras, denunciava o jabá das emissoras de rádio e TV, sumia de casa por dias, tratava-a mal... As finanças do casal eram mais apertadas do que chapéu novo: para sobreviver, passavam o chapéu entre parentes e conhecidos. Mas quem tem medo do lobo mau? Chapéu ( Hatty foi-se com o high society ) não tinha. Viveram, aos trancos e barrancos, por quase seis anos.
Um dia a sorte sorriu para Lobão. Ele lançou um CD Acústico aclamado pelo público e virou VJ na MTV. O sucesso e a idade fazem milagres : o músico abrandou o gênio, abandonou as drogas, enquadrou-se ao sistema, ficou atencioso e simpático.
Chapéu agora é feliz... tediosamente feliz... Quase todas as noites, ela sonha com um Caçador de Emoções.
E sente um vazio inexplicável...
( Os bonzinhos e os politicamente corretos que me perdoem o final pouco edificante, mas Chapéus gostam mesmo é de bad boys. )