MORRER DE FOME

MORRER DE FOME

DONATO RAMOS

do livro FOLHAS SOLTAS

Quem vive, como nós vivemos, encravados no coração do Estado de Santa Catarina, onde uma vez ou outra os jornais nos alcançam temos, forçosamente, que nos alimentar em notícias acompanhando o noticiário radiofônico, pois este é imediato, sem no entanto nos fornecer detalhes importantes.

Ficamos sabendo de tudo à medida que os fatos acontecem e, mais tarde, os detalhes são conhecidos através dos jornais. Uma notícia hoje apresentada pelos noticiários radiofônicos, não necessita que conheçamos os detalhes para que nos prostremos ante um os cavaleiros do Apocalipse, estarrecidos, abobalhados até, ao tomarmos conhecimento de que alguém, na imensa terra da fartura, morreu de fome.

A nota diz que um mendigo foi atendido o pronto socorro Souza Aguiar, no Rio de Janeiro, apanhado que foi na Praça da Misericórdia. Ao dar entrada no Hospital, faleceu de inanição.

Morreu de fome, o mendigo.

Sua identidade não o levantada, mas está sendo apontado como um conhecido homem que tocava realejo em diversos pontos da cidade maravilhosa.

Aí, você está deduzindo que o restante da nossa crônica de hoje será um acicate à maneira de vida que estamos levando, à forma pela qual as coisas andam, o alto custo da sobrevivência, à falta e amparo, enfim tudo aquilo que, enfileirados, encaminham o homem ao desespero, à falta de confiança, à falta de fé no seu próprio destino a terra.

E, logicamente, seria o tema dos mais procurados para se escrever alguma coisa ou mesmo, ligar uma campanha política pois, além de arrancar lágrimas daqueles que têm um coração bom, arrancaria também uma meia dúzia de votos. Seria o tema ideal para uma demagogiazinha bem engendrada, planejada, pois o tema é riquíssimo e, diariamente, existe gente morrendo de fome por esse brasil-de-meu-deus. E, mais ou menos assim seria, amigos, se não houvesse uma complementação nesta mesma notícia, o que faz com que esse mesmo mendigo que morreu de fome, não venha a ser olhado agora como um mártir do nosso sistema. O mendigo que morreu de fome não vai ganhar “post-mortem” a crônica que em vida não ganharia, por um simples motivo: em poder do mendigo que morreu de fome, foi encontrado um saco de aniagem contendo mais de 200 mil cruzeiros em notas de cinco, dez e vinte.

Foi, simplesmente, por essa razão, que o mendigo que morreu de fome não ganhou de nós e da imprensa nacional uma página que faria chorar e comover a quem ouvidos tivesse...

DONATO RAMOS
Enviado por DONATO RAMOS em 06/06/2008
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