O HOMEM DO ANELÃO

O HOMEM DO ANELÃO (1964 /+/-)

DONATO RAMOS

do livro FOLHAS SOLTAS

Sexta feira, 13. Faltava, apenas, ser agosto. Não sei porque mas quando a coincidência se verifica, mesmo não acreditando em sorte ou azar, a gente fica um tanto inquieto e com um pé atrás, ainda mais que o dia de hoje marca o comício do presidente para a assinatura do Decreto da Supra, voto do analfabeto e outras coisinhas mais.

Ali, no bar Minister, numa Rio do Sul ensolarada, foi que me veio á mente escrever alguma coisa a respeito do dia, da coincidência da sexta feira 13, do comício e, principalmente, do decreto de desapropriação de terras. Mas - sempre o eterno mas - escrever o quê? É o “mas” da incerteza. Incerteza mesmo no que diz respeito ao papel que essa desapropriação significa, que esse decreto alcança.

Mesa ao lado: um respeitável cidadão, anelão dos mais caros, bochechas rechonchudas, carteira recheada, pagando os aperitivos. Falava alto para que todos ouvissem as suas abalizadas opiniões.

- Esse negócio de desapropriação é negócio de comunista!

Fiquei pensando: de comunista...? Então deve ser, porque aquele respeitável cidadão do anelão deve ser muito inteligente! Mas há uma coisa que eu não entendo: se com a distribuição de terras o país vai ganhar muito mais proprietários; se atualmente, dentre 85 milhões de pessoas, apenas 3 milhões são proprietárias; se com a reforma agrária muitos outros proprietários surgirão... nada mais é do que a consolidação do regime democrático que se baseia no direito da propriedade e à propriedade. Bem, aquele senhor respeitável deve ter as suas razões! Enfiou a carteira no bolso, olhou para o lado onde uma criança pedia um trocado. Levantou-se. Saiu. Não tinha miúdo. E continuei pensando: será que todos os cidadãos respeitáveis pensam assim? Acho que não. Muitos deles sabem que muita gente come sobras de latas de lixo... que outros agonizam, torturados de há muito pela fome... Bem, paremos aqui.

A incerteza continuava. Desapropriação, greves, fome, esmolas, brigas, exército e tantas outras coisas que se conjugam e se entrelaçam deixam-nos assim.

Hoje é sexta feira 13... coincidência do dia do mês com a semana, com comício, com os homens armados, com exército de prontidão.

Será dia de azar? Será o treze fatídico? Será o início do final...? Será o final de muito desespero que agora encontra o caminho que deveria de há muito ser encontrado para a cessação da miséria? Será hoje? Será amanhã?

O cidadão respeitável já almoçou. E bem. Muito bem. Seria um dos três milhões de proprietários? Não sei. Era um cidadão respeitável. De anelão. Sabia o que estava dizendo. Mas não tinha trocado para a criança que pedia. Não havia lido, talvez, a respeito do que falava. Não sabia nada. Nada. Não era de nada. Mas era um cidadão respeitável. De anelão. Tinha projeção. Assim, pelo menos, parecia. Era um cidadão respeitável. Mas não pagava 40 por cento pelo aluguel das terras, daquilo que conseguia dela arrancar com suor e lágrimas, até. Não catava sobras do lixo. Não pedia. Não, porque não tinha trocado. Só isso. Porque todos os cidadãos respeitáveis são cidadãos respeitáveis e sabem o que fazem e o que dizem.

Ou não?

Sei lá!

DONATO RAMOS
Enviado por DONATO RAMOS em 06/06/2008
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