EU CAIO, ELE BLAT - Berenice Heringer

Caio, pomposo nome romano de muitos Césares, três pelo menos entre os doze mais famosos, incluindo Calígula, o mais terrível de todos eles. Caio César, Caio Fernando, Caio Flávio. Mas o Blat sempre dá um show de interpretação em todos os seus trabalhos. Agora, em Ciranda de Pedra, história original da autoria de Ligia Fagundes Teles, ele é um finório golpista, acho que um rábula sem diploma num escritório de advocacia onde só existem cobras criadas.

Mas estou um pouco cansada das novelas globais. Elas são o láudano da vida, ou a xaropada que está mantendo o povão anestesiado. Só se deixa anestesiar quer quer, naturalmente. E também a hipnose é sempre auto-hipnose. A luva é feita para a mão e não esta para aquela.

Os traços de caráter são psicoses secretas, já dizia o sábio Sandor Ferenkzi, dileto e diligente discípulo de Freud. Ele enxergou além das máscaras, do sorriso, da seriedade, da satisfação que as pessoas usam para enganar a si mesmas e ao mundo. Não são só os atores que atuam. Todos nós somos atuantes e atuais.

Otto Rank, outro notável do círculo de psicanalistas ao lado de SF, disse: "desisti de escrever por enquanto - já existe um excesso de verdade no mundo - uma superprodução que aparentemente não pode ser consumida". Isto nos primórdios do século XX. Sensacional!

As pessoas estão se consumindo pois são cada vez mais consumidoras.

Eu quero escrever sobre as mentiras da propaganda, do advogado de defesa, do sindicalista, do parlamentar, todos em simbiose incestuosa, na prisão maternal de uma fixação racial-nacional-religiosa. O desejo maníaco de se manter incluido numa fonte e roda cada vez de maior poder. A mística do grupo, da nação do sangue, da mãe-pátria e assemelhados.

O temor de deixar a família e entrar no mundo sob a própria responsabilidade e contando só com as próprias forças. Estas são as espadas contundentes na fala de Erich Fromm sobre a escravidão, a maldade e permanente loucura da política. Isto é o pensamento crítico cumulativo sobre a condição humana. Esta é a linha que adoto, humilde discípula desses mestres universais que deixaram atrás de si uma esteira luminosa, como os cometas que só aparecem de tempos em tempos.

O sadismo das massas que obedecem a um lider lunático, a obediência e a ilusão que denunciam a maldade e a cegueira humanas. O líder transmite a macromentira, a massa confia porque precisa exatamente da falsidade que o chefão lhe dá. Os impulsos proibidos, os desejos secretos, as fantasias, cada um se sente um bebê onipotente, encorajado por qualquer pseudo-pai, a se regalar até à saciedade, sem que haja censura por pensamentos, sentimentos ou atos, pois tudo está nos conformes, dentro do figurino delineado pelo mestre.

Esse é o terrível sadismo da atividade em grupo, os quadrilheiros, as hordas de des-hordeiros, ninguém segura ninguém, vão todos até às últimas conseqüências.

"As coisas subiram à sela e cavalgam a humanidade." Emerson

"Não existe arte mais difícil que a de viver. Durante a vida inteira a criatura tem que continuar aprendendo a viver e, a coisa que surpreenderá ainda mais: a criatura, durante a vida inteira, tem que aprender a morrer." Sêneca

Vila Velha, 1º de junnho 2008.

Berenice Heringer
Enviado por Berenice Heringer em 06/06/2008
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