Encontro com a Solidão

Há sempre uma solidão inscrevendo-se em nosso olhar, não importa quantas e quão freqüentes sejam nossas alegrias. É o momento do silêncio íntimo, onde ouvimos a voz de nossa alma passando a limpo o que amamos e o que deixamos de amar, o que vivemos e o que deixamos de viver. A solidão é o silêncio maior e o mais profundo mergulho para dentro de nós mesmos; é a fonte de onde nascem todas as perguntas, e é também a foz para onde fluem todas as respostas.

Cada um de nós é o fruto do recolhimento e da reflexão, ou, às vezes, da falta delas, mas, é através da solidão que as mensagens expressas pelo coração encontram o caminho que as levará à nossa compreensão. Felizes são aqueles que, através da solidão abrem o coração para as verdadeiras perguntas, e estão prontos para aceitar as respostas.

Como um profundo poço, em cuja escuridão cintilam misteriosas águas, também nosso olhar traz refletido em seu brilho o maravilhoso momento da introspecção. Assim, quando nos miramos através do espelho do nosso olhar, temos a possibilidade de nos renovarmos e reinventarmos o nosso estar no mundo. É o instante mágico em que nos voltamos a nós mesmos, vasculhando-nos com ousadia e coragem, e por ser mágico, nos ilude e nos convida à permanência. É este o momento exato em que devemos retomar as rédeas da realidade e não nos deixarmos entregar demasiadamente ao apelo do isolamento. Para além desse momento, a solidão transforma-se de paraíso à prisão que nos impedirá de olhar pelas janelas do universo.

A solidão é um convite à paz, mas é também a ante-sala das nossas purgações. Em seu nome quantos muros, não vamos construindo em nosso entorno no decorrer de nossa existência? Por fim, acabamos por fazer dela o refúgio onde tentamos nos esconder de nós mesmos, o canto escuro onde nos encolhemos para não vermos a nós próprios, nossas dores e desalentos. A solidão é ainda o cenário onde fixamos nossas tristezas na moldura de um passado que nos aprisiona o presente e que nos faz desperceber o futuro.

Finalmente, envolvidos pela mágica da solidão, chega uma etapa de nossas vidas, onde nos permitimos pouco. Passamos a deglutir a vida, não mais a saboreá-la; passamos a restringir nosso olhar, prisioneiro de um recinto da alma onde não permitimos portas ou janelas, mesmo sabendo que lá fora temos todo o universo ao nosso alcance.

Mas, se temos todo o universo à nossa disposição, porque restringirmos o nosso olhar a uma paisagem solitária, ainda que nela tenhamos a enganadora sensação de segurança? Então, mais feliz que quem abraça a solitude e cresce com ela, é quem detém o controle de abandoná-la sempre que percebe outro coração tentando dividir silêncios.

Consentir que outras mãos também desatem os laços com os quais nos protegemos é também descobrir-nos. E este gesto, que a princípio se nos afigura como invasão, pode tornar-se intimidade ansiada.

Permitir que alguém que nos ame, toque a nossa escuridão, falando-nos de luzes e do aroma da vida, pode nos ajudar a continuar a escrever os capítulos da nossa história: um livro com páginas abertas celebrando cada amanhecer...

Fernanda Guimarães

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Fernanda Guimarães
Enviado por Fernanda Guimarães em 07/04/2005
Reeditado em 25/08/2008
Código do texto: T10218