SOBRE ESCREVER...


                Há dias tento escrever sobre um determinado tema e o texto não se constrói. As palavras desaparecem. Isso me fez pensar sobre o ato de escrever. O que me faz escrever? O que move meu desejo de construir textos? Percebi que não há uma resposta pronta. Nem uma rotina. As coisas simplesmente acontecem. Já pensei textos que nunca foram para o papel, foram pensados nos lugares mais inusitados e morreram antes de chegarem as minhas mãos. Outros nascem do meio do nada e tomam conta de mim.

 

Em meus textos sempre está presente o que penso sobre as coisas que vejo e sinto, sou transparente. Aqueles que me lêem sabem de mim, como sou, ou o que estou vivendo. Por isso tenho dificuldades de escrever contos. Arrisco-me, mas custa-me criá-los. Imaginar sentimentos não vividos, dizer das coisas que não vivi, ou daquelas que ainda não senti, é muito complicado. Admiro quem consegue. Eu faço um esforço sobre-humano. Meus textos são costurados com os sentimentos que brotam de mim, onde cada palavra é, antes de tudo, vivida, sentida e vai ganhando vida à medida que escorrem de mim e ganham pernas que as levam para onde a imaginação do leitor permitir.      

 

Quando o papel branco está diante de mim há um chamado mudo da poesia que quer nascer, dos versos gestados em minha alma que pedem para ser paridos. Uns são abortados. Choro por eles, mas não consigo salvá-los. Não tenho controle sobre o que penso. Nem tudo é traduzível, dizível, fica o vazio característico do aborto, mas uma nova gestação logo surge e não tenho mais tempo de pensar nos versos mortos, preciso alimentar os que estão nascendo. Às vezes eles saem muito íntimos, outros um tanto arredios, como se pertencesse a outras mãos, outra alma, outro coração, outra vida.

 

Gosto de falar de sonhos e amor. Nesse momento as palavras se atropelam, e frases inteiras pulam dos olhos. Nascidas no coração, elas saltam sem pedir licença e vão se amontoando no papel, deixando no ar o suave perfume do amor, ecoam as melodias dos sonhos vividos, dos amores realizados. Sinto-me leve quando falo de amor. É de mim que falo. Do amor que vivo. Do amor que conheço. Dos sonhos que realizei. Minha alma vibra ao compor em versos a história que ela conhece em cada pedaço de mim. 

 

Mas, às vezes as palavras saem doídas, amargas, com gosto de sangue. Machucam a mim e a quem ler. São histórias tristes que conheço e que me pedem para serem contadas. Não gosto de violências – seja qual for à forma em que ela se apresente -, nem de injustiças, mas não me recuso a falar sobre isso. Doem as mãos ao digitar estes registros, ardem os olhos, sangra a alma, mas venço o desafio e escrevo. Não é um texto bonito. Não é gostoso de ler. Desafia a vontade de escrever, turva os olhos, mas sinto que preciso deixar nascer essa forma cruel de dizer que não estou satisfeita, que não me agrada esta ou aquela atitude, termino cansada, mas com certo alívio; é como se tivesse feito uma secção de exorcismo.  É como um vulcão em franca erupção, que sai jogando as lavas cheias de palavras doridas, frases sofridas, períodos cheios de pernas compridas que correm do medo. As palavras vão caminhando com a pressa de quem deseja libertar-se, fugir das grades escuras que as aprisionavam.  

 

E quando concluo um texto e o releio, às vezes fico admirada – gosto do resultado; em outras, decepcionada – não era isso que eu queria. Releio-os e encontro meus erros, as pisadas em falso que dei na busca das trilhas corretas, na tentativa de um andar equilibrado. Faço alterações, troco vírgulas por ponto, tiro ou coloco reticências, exclamo onde perguntei, peço a um amigo que leia e corrija e coloco o ponto final. Hora de batizá-lo (outra dificuldade: dar o nome) e entregá-lo ao leitor. 

 

Quando os apresento ao público as reações são as mais variadas: acontece de ser aquele que não gostei o mais lido, e aquele que adorei – às vezes – ser esquecido.  Não escapo daquilo que escrevo. Uma vez escrito fico refém das opiniões emitidas. Tenho opiniões que nem sempre agradam a todos e às vezes sou julgada, mal entendida, mas não posso fazer diferente. Quem escreve corre esse risco. Os mal entendidos que alguns fazem, em leituras que às vezes distorcem o que realmente eu queria dizer, faz parte! Procuro resolver numa boa.

 

Passados os dissabores, entrego-me novamente ao desejo de escrever e deixo eclodir as palavras que desabrocham com o pôr-do-sol e descansam em meu peito para renascer no brilho do luar do mesmo céu que abriga meu coração apaixonado pela vida e pelo amor. Escrever é o maior prazer que minha alma feminina empresta às minhas mãos, e dá de uma vez por todas aos olhos e ao coração dos meus leitores e, em especial, aquele a quem dedico à arte de amar em palavras – depois de viver em plenitude – o amor que há em nós.

 

 

Ângela M Rodrigues O P Gurgel
Enviado por Ângela M Rodrigues O P Gurgel em 05/06/2008
Reeditado em 27/06/2008
Código do texto: T1021437
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