A MOÇA QUE PERDEU O OLHAR

Estava lá a moça, meio tristonha depois de muito procurar o olhar que perdeu e com ele a sua alegria de viver, encaminhando-se para o pensatório, batendo a porta atrás de si. Até que tentei ajudar na busca do seu olhar, afinal, amigo – acho eu - é que nem aquelas coisas que o padre manda repetir na hora do casamento: unidos na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, e por ai vai. Bati na porta, ou bati à porta, sei lá eu , do pensatório, mas qual o quê, fechado estava, fechado permaneceu. Que é que eu fiz? Pus-me feito cão de guarda plantada no chão perto da porta.

Incomodava aos meus olhos um raio de sol que transpunha uma fresta na parede. Mas me mantinha firme no desejo de ajudar a moça e enquanto a porta do pensatório não abria, ocupei-me em contar e recontar os dedos dos pés e das mãos e já ia eu na casa do undécimo e nada da porta abrir.

Enfastiada, passei a enrolar o pensamento e já que falei no sol quis saber do Deus da moça, sim, por que ela, a moça, podia ter todos os defeitos do mundo, mas ela não era descrente, acreditava no Senhor lá do Alto, no céu, no inferno, no purgatório e até em alma do outro mundo! Mas, como ia dizendo, quis saber do Senhor Deus da moça dessa preferência que Ele tem pelos círculos: é lua redonda, planetas redondos, estrelas redondas , é assim que as vejo, nada de pontas e que para variar, por que Ele não fez o sol quadrado? Outra coisa: por que não de crocodilo as lágrimas que começam a rolar das calotas polares? Vou aproveitar para mandar um adeusinho de despedida para os ursos brancos. Esperai, com essa o Deus da moça não tem nada a ver, é coisa nossa.

E quem disse que a moça que perdeu o olhar estava preocupada com detalhes? A crise era existencial, mais profunda, estava tão virada para dentro de si mesma, mas tão virada que a gente até podia ver as costuras do seu avesso e olhe que quem a costurou não usou de profissionalismo.Foi ai que me deu uma vontade danada de dá uma espiadinha lá por dentro e mesmo sem ser autoridade no assunto parti para uma “autopsia” nos órgãos vitais. Fígado: barbaridade! Alinhavaram e deixaram vazar a bílis, que derramou e se tinha alguma coisa doce dentro dela ficou amarga. Pulmões: esses alinhavaram de tal forma que ela já não respira, só suspira. Coração, Deus dela! Fizeram deste, travesseiro de espetar agulha, perdeu sua função precípua: AMAR

Perdeu sua função precípua: AMAR. Não..., parece que aqui não cabe ação de amigo... É coisa pra príncipe encantado, para um “Dom Sebastião” o eterno esperado, dotado dos atributos e capacidade para retirar as agulhas e dá vida a sentimentos contidos , devolvendo assim, à moça, o seu olhar e a sua alegria de viver.

Vou rezar pra isso...

Zélia Maria Freire
Enviado por Zélia Maria Freire em 05/06/2008
Código do texto: T1020728
Classificação de conteúdo: seguro