MEU CORAÇÃO DE ESTUDANTE.
Não sei porque esta semana andei lembrando.
Faz um bom tempo - coisa de mais de vinte anos atrás - vivia meus melhores anos de estudante no que hoje se chama nível médio e que era, então, o nosso segundo grau.
Descobertas; professores novos; muito aprendizado; alegria; diversão; risadas em comum... amigos!...
Dentre esses amigos havia um, o melhor aluno da turma. Seu nome era Carlos Maurício. E o melhor amigo dele, de outra turma na mesma série, calhou de ser o meu primeiro namorado. De modo que a lei das afinidades juntou assim os três, já naquela época precoce compartilhando uma visão espiritualista da vida. O Carlos era Demolay, braço jovem da Maçonaria, e aspirante a Rosacruz; o Mauro ia pelo mesmo caminho – e eu, via tendências naturais, só fiz engrossar o caldo.
O Mauro fora namorado mesmo! Daquele de sentar na varanda para conversar, de dar e ganhar presente do Dia dos Namorados. Paixão roxa! Passarinhos verdes! E seu nome, por coincidência, justo o do meu marido, com quem acabei me casando não sei quantos anos depois!
Assim como o Carlos Maurício era também o melhor da turma, mesmo! Talvez que de todo o segundo grau do curso Miguel Couto Bahiense daquele ano! O chamado cdf! Só tirava dez, dez, dez em tudo, e, ao que se sabia, não precisava estudar tanto para isso.
Tinha cara de inteligente. Papo de inteligente. Jeito. Era o próprio nerd das atuais gerações. E tinha também uma namorada firme... acho que o nome dela, se bem me lembro, era Marta!
Fico imaginando em que grande profissional deve ter aquele garoto se transformado, bem na área que pleiteava, assim como eu naquela época - a da Medicina - na qual, pelo que soube por último a seu respeito há algum tempo, justamente se formou. E na qual não me formei... uma espécie de frustração vocacional na época do vestibular, para o qual, convenhamos, e com essas pretensões, não me preparei o suficiente.
Porque foi há algum tempo, como num passe de mágica, e por caprichos de vida de escritora, que nos potencializa a visibilidade propiciando essas aproximações, que quem me achou sem mais nem menos em dando com meus artigos publicados foi justo o amigo dele - o Mauro, o ex-namorado!
Uma festa! Mandou-me fotos da família formada de há muito, esposa e filhos; eu, por minha vez, enviei as minhas próprias fotos de família! Contamos resumidamente anos de histórias guardadas nas gavetas, sacudimos o mofo das novidades. E ele falou, então, do Carlos Maurício, daquele seu melhor amigo... de quem, para minha perplexidade, também perdeu-se nas dobras do tempo, nunca mais viu!
Admiramo-nos disso e - de ambas as partes certamente - nada embora seu cavalheirismo, das aparências mútuas. Foi um reencontro de fato feliz! Só que ao que parece a esposa deste que é hoje um meu irmão de espírito e de reminiscências não soube lidar muito bem com o meu reaparecimento súbito... Alguma coisa indefinida houve e tudo se deu qual miragem, emersa das névoas dos tempos idos, visão que nos deslumbra num minuto para n'outro deixar lugar apenas à sensação de sonho fantástico, de incredulidade!
Hoje, passados uns anos, penso se de fato aquele reencontro aconteceu... Porque sumiu o Mauro novamente; eu sumi... desejando-nos reciprocamente fervorosos e sinceros votos de felicidades. Realmente rogo a Deus pela sua completa realização, e sei que, alma boa que é, também deseja a minha...
E o Carlos Maurício, que sumiu para ele... de há muito também sumiu para mim, para arrematar esta digressão nostálgica que compartilho com alguns de vocês, amigos ou leitores de boa vontade. Lembrei muito esta semana, e lembro de tempos em tempos, do Carlos Maurício - aquele primeiro aluno de turma durante o nosso curso de segundo grau. Que acabou sendo meu melhor amigo, além de melhor amigo do Mauro também, em meio a tantos estudantes simpáticos, descontraídos, felizes, eufóricos da vida!...
Sim; éramos todos entusiasmados e eufóricos com a vida, e dividíamos cinemas, lanchinhos e festas naquela fatia movimentada do comércio do bairro do Méier, no Rio de Janeiro.
Mas a penúltima imagem que guardei do Carlos Maurício foi a do dia da minha formatura na faculdade de Letras, muitos anos depois, quando até o namoro com o seu melhor amigo de há muito já havia terminado; quando já havia perdido o contato com todos, e mesmo com ele...
Lá estava o Carlos à saída da Universidade, sob as luzes noturnas, sozinho - sem a namorada firme de outrora, para minha surpresa. Reconhecemo-nos de imediato. Demo-nos as mãos. Ele, risonho, me cumprimentou pela formatura. Disse estar por ali à espera de um amigo que também se formava junto com as turmas da colação de grau daquela noite.
Sorri daquilo. Manifestei minha satisfação por revê-lo, e sorriu-me também. Notei em seu olhar a admiração pelo esmero da minha apresentação na ocasião. Devolvi novamente a ele o sorriso, um tanto sem graça, voltei-me e o deixei ali... Segui meu caminho.
Foi a penúltima vez que eu vi o Carlos Maurício... Carlos Maurício Rezende, se não me engano...
Porque a última vez mesmo semelhou antes a outra miragem - uma impressão fugidia, entrevista de dentro de um táxi... espantosamente na mesma época em que o seu melhor amigo me achou há alguns anos num texto de internet... Andava no meio de um grupo de médicos, todos de branco, pela calçada larga diante do Shopping Iguatemi Rio. Tive a clara impressão de que demorou em mim o olhar incerto por um breve momento, de onde estava, sem deter os passos em meio aos amigos.
Até hoje me impressiono daquilo, me pergunto se seria mesmo ele - aquele meu melhor amigo!...
Foi esta a última vez em que vi o Carlos Maurício.
"Amigo é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves..."
Milton Nascimento
Não sei porque esta semana andei lembrando.
Faz um bom tempo - coisa de mais de vinte anos atrás - vivia meus melhores anos de estudante no que hoje se chama nível médio e que era, então, o nosso segundo grau.
Descobertas; professores novos; muito aprendizado; alegria; diversão; risadas em comum... amigos!...
Dentre esses amigos havia um, o melhor aluno da turma. Seu nome era Carlos Maurício. E o melhor amigo dele, de outra turma na mesma série, calhou de ser o meu primeiro namorado. De modo que a lei das afinidades juntou assim os três, já naquela época precoce compartilhando uma visão espiritualista da vida. O Carlos era Demolay, braço jovem da Maçonaria, e aspirante a Rosacruz; o Mauro ia pelo mesmo caminho – e eu, via tendências naturais, só fiz engrossar o caldo.
O Mauro fora namorado mesmo! Daquele de sentar na varanda para conversar, de dar e ganhar presente do Dia dos Namorados. Paixão roxa! Passarinhos verdes! E seu nome, por coincidência, justo o do meu marido, com quem acabei me casando não sei quantos anos depois!
Assim como o Carlos Maurício era também o melhor da turma, mesmo! Talvez que de todo o segundo grau do curso Miguel Couto Bahiense daquele ano! O chamado cdf! Só tirava dez, dez, dez em tudo, e, ao que se sabia, não precisava estudar tanto para isso.
Tinha cara de inteligente. Papo de inteligente. Jeito. Era o próprio nerd das atuais gerações. E tinha também uma namorada firme... acho que o nome dela, se bem me lembro, era Marta!
Fico imaginando em que grande profissional deve ter aquele garoto se transformado, bem na área que pleiteava, assim como eu naquela época - a da Medicina - na qual, pelo que soube por último a seu respeito há algum tempo, justamente se formou. E na qual não me formei... uma espécie de frustração vocacional na época do vestibular, para o qual, convenhamos, e com essas pretensões, não me preparei o suficiente.
Porque foi há algum tempo, como num passe de mágica, e por caprichos de vida de escritora, que nos potencializa a visibilidade propiciando essas aproximações, que quem me achou sem mais nem menos em dando com meus artigos publicados foi justo o amigo dele - o Mauro, o ex-namorado!
Uma festa! Mandou-me fotos da família formada de há muito, esposa e filhos; eu, por minha vez, enviei as minhas próprias fotos de família! Contamos resumidamente anos de histórias guardadas nas gavetas, sacudimos o mofo das novidades. E ele falou, então, do Carlos Maurício, daquele seu melhor amigo... de quem, para minha perplexidade, também perdeu-se nas dobras do tempo, nunca mais viu!
Admiramo-nos disso e - de ambas as partes certamente - nada embora seu cavalheirismo, das aparências mútuas. Foi um reencontro de fato feliz! Só que ao que parece a esposa deste que é hoje um meu irmão de espírito e de reminiscências não soube lidar muito bem com o meu reaparecimento súbito... Alguma coisa indefinida houve e tudo se deu qual miragem, emersa das névoas dos tempos idos, visão que nos deslumbra num minuto para n'outro deixar lugar apenas à sensação de sonho fantástico, de incredulidade!
Hoje, passados uns anos, penso se de fato aquele reencontro aconteceu... Porque sumiu o Mauro novamente; eu sumi... desejando-nos reciprocamente fervorosos e sinceros votos de felicidades. Realmente rogo a Deus pela sua completa realização, e sei que, alma boa que é, também deseja a minha...
E o Carlos Maurício, que sumiu para ele... de há muito também sumiu para mim, para arrematar esta digressão nostálgica que compartilho com alguns de vocês, amigos ou leitores de boa vontade. Lembrei muito esta semana, e lembro de tempos em tempos, do Carlos Maurício - aquele primeiro aluno de turma durante o nosso curso de segundo grau. Que acabou sendo meu melhor amigo, além de melhor amigo do Mauro também, em meio a tantos estudantes simpáticos, descontraídos, felizes, eufóricos da vida!...
Sim; éramos todos entusiasmados e eufóricos com a vida, e dividíamos cinemas, lanchinhos e festas naquela fatia movimentada do comércio do bairro do Méier, no Rio de Janeiro.
Mas a penúltima imagem que guardei do Carlos Maurício foi a do dia da minha formatura na faculdade de Letras, muitos anos depois, quando até o namoro com o seu melhor amigo de há muito já havia terminado; quando já havia perdido o contato com todos, e mesmo com ele...
Lá estava o Carlos à saída da Universidade, sob as luzes noturnas, sozinho - sem a namorada firme de outrora, para minha surpresa. Reconhecemo-nos de imediato. Demo-nos as mãos. Ele, risonho, me cumprimentou pela formatura. Disse estar por ali à espera de um amigo que também se formava junto com as turmas da colação de grau daquela noite.
Sorri daquilo. Manifestei minha satisfação por revê-lo, e sorriu-me também. Notei em seu olhar a admiração pelo esmero da minha apresentação na ocasião. Devolvi novamente a ele o sorriso, um tanto sem graça, voltei-me e o deixei ali... Segui meu caminho.
Foi a penúltima vez que eu vi o Carlos Maurício... Carlos Maurício Rezende, se não me engano...
Porque a última vez mesmo semelhou antes a outra miragem - uma impressão fugidia, entrevista de dentro de um táxi... espantosamente na mesma época em que o seu melhor amigo me achou há alguns anos num texto de internet... Andava no meio de um grupo de médicos, todos de branco, pela calçada larga diante do Shopping Iguatemi Rio. Tive a clara impressão de que demorou em mim o olhar incerto por um breve momento, de onde estava, sem deter os passos em meio aos amigos.
Até hoje me impressiono daquilo, me pergunto se seria mesmo ele - aquele meu melhor amigo!...
Foi esta a última vez em que vi o Carlos Maurício.
"Amigo é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves..."
Milton Nascimento