TANTO AMOU DEUS O MUNDO!

Ao meditarmos as leituras da Divina Liturgia no Tríduo Pascal, perceberemos o sentimento tão humano que se tornou divino e, tão divino que se tornou humano: o Amor.

Os relatos da paixão nos remetem aos primeiros dias da Igreja. São as primeiras partes do Evangelho que se “formaram” na tradição oral e que circularam entre os cristãos. Nessa fase dominavam os fatos; tudo se resume em dois eventos: morreu - ressuscitou. A fase dos simples fatos foi, porém, bem cedo superada. Os fiéis se colocaram de imediato a pergunta sobre o “significado” daqueles fatos, isto é, sobre o porquê da paixão: “Por que Deus sofreu?” A resposta foi: “Pelos nossos pecados”. Nasce deste modo a fé pascal, expressa na seguinte proposição: “Cristo morreu pelos nossos pecados; e ressuscitou para a nossa justificação” (1 Cor 15,3-4; Rm4,25).

Existiam assim os fatos e também o significado para nós dos fatos. A resposta parecia completa: história e fé formavam finalmente um único mistério pascal. Todavia, não atingira ainda o fundo verdadeiro do problema; a pergunta permanecia de uma outra forma: E porque morreu pelos nossos pecados? A resposta que iluminou a Igreja foi: porque nos amava. “Amou-nos e deu-se a si mesmo por nós (Ef 5,2); Amou-me e deu a si mesmo por mim (Gl 2,20); Amou a Igreja e deu a si mesmo por ela” (Ef 5, 25). O Evangelista são João, que escreveu depois dos outros, atribui esta revelação ao próprio Jesus terreno quando disse: “Ninguém tem um amor maior do que este: dar a vida pelos próprios amigos. Vós sois meus amigos” (Jo 15, 13).

Jesus ao morrer por livre amor, quis com isso restaurar a beleza original que fora corrompida pelo primeiro pecado, quando o nosso primeiro pai, Adão, almejou a divindade de Deus. Assim como no paraíso o homem comeu o fruto proibido da árvore querendo ser Deus, de tal modo, Jesus Cristo, experimentando a árvore da cruz assume a humilhação humana e querendo deixar de ser Deus experimenta o caminho do abandono e, por isso, ele no alto da cruz brada: “Meu Deus, meu Deus; porque me abandonaste?” (Sl 21,2).

Com Jesus, Deus não nos fala mais de longe, por meio de intermediários, fala-nos de perto e fala-nos em pessoa, por dentro da nossa condição humana, depois de ter dela saboreado até o fundo o sofrimento. O amor de Deus se fez carne e veio habitar em nós! Já na antiguidade havia quem lia assim Jo 1,14.

O seu amor se fez amizade, “não vos chameis mais servos, mas vos chameis amigos” (Jo 15, 15), mas não pára aqui; ele chega a uma identificação com o homem, para a qual não bastam mais analogias humanas nem mesmo aquela da mãe, do pai ou do esposo: “Vós em mim – diz – e eu em vós” (Jo 15,4).

Finalmente, a prova suprema deste amor pode ser sintetizada assim: “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1), isto é, até o extremo limite do amor. Duas coisas revelam o amante verdadeiro e o fazem triunfar, a saber: a primeira consiste em fazer o bem ao amado, a segunda, de longe muito superior, consiste no sofrer por ele. Por isso, para dar-nos a prova do seu grande amor, Deus inventa o seu próprio aniquilamento, realiza-o e faz de modo a tornar-se capaz de sofrer coisas terríveis. Assim, tudo aquilo suporta, Deus convence os homens do seu extraordinário amor por eles e os atrai novamente a si, eles que fugiram do Senhor bom, crendo ser odiados por ele. Jesus repete a nós aquilo que disse um dia a uma santa: ”Não te amei por brincadeira” (B. Ângela da Foligno).

Para saber quanto Deus nos ama, temos agora um meio simples e seguro: olhar quanto sofreu! Não só no corpo, mas, sobretudo na alma, porque a verdadeira paixão de Jesus é aquela que não se vê e que o fez exclamar no Getsêmani: “A minha alma está triste até a morte” (Mc 14, 34). Jesus morreu no seu coração, antes que no seu corpo. Quem pode penetrar o abandono, a tristeza, a angustia da alma de Cristo e sentir-se tornado “todo pecado”, ele o inocentissímo Filho do Pai? Com razão, a liturgia da Sexta-feira feira santa pôs nos lábios de Cristo na cruz aquelas palavras da lamentação: “Ó vós todos que passais pelo caminho, parai e vede se há uma dor grande como a minha!”.

É pensando nesse momento que foram ditas aquelas palavras: “Assim Deus amou o mundo” (Jo 3,16). No início de seu Evangelho João exclama: “Vimos a sua glória!” (Jo 1, 14). Se perguntarmos ao evangelista onde ele viu sua glória, sua resposta seria: “Sob a cruz vi sua glória!” Porque a glória de Deus está em ter escondido a sua glória para nós, em ter nos amado “até o fim”. Esta é a glória maior que Deus tem fora de si mesmo, fora da Trindade. Maior de ter-nos criado e de ter criado o universo. Agora que está à direita do Pai na glória, o corpo de Cristo não conserva mais os sinais e as características da sua condição mortal (seu corpo fora divinizado), uma coisa, porém, conserva ciosamente e mostra a toda corte celeste: “AMOR É FORTE COMO A MORTE” (Ct 8, 6).