Pequenas Coisas

Estava assistindo ao "Fantástico", naquele típico fim de noite brasileiro, melancólico, sob uma noite fria e úmida, cheia de garoa (como nos ditos "bons tempos") e temperatura na casa dos 10 ºC.

Bem agasalhado, protegido pelas janelas e portas fechadas, enrolado num cobertor e com um chocolate quente nas mãos, ainda assim sentia o frio percorrer meu corpo.

O anúncio da reportagem foi cortante como o vento lá fora. Ainda temos em nosso país 16 milhões de analfabetos. 16 milhões de pessoas que não têm o mínimo de instrução. Chega a ser vergonhoso!

Mas, ao contrário de encher estas próximas linhas de ódio aos nossos governantes e atestar minha hipocrisia frente ao problema, deixei-me levar pelo outro lado da reportagem.

Ela apresentava pessoas que estavam tentando, após muitos anos na escuridão total da ignorância, aprender a ler e a escrever. Mostrava salas de aula, onde podiam ser ver adultos humildemente soletrando palavras básicas, esforçando-se heroicamente para entender aquele complicado emaranhado de traços, que até muito pouco tempo atrás, nada significavam senão esta última definição.

A reportagem seguia mostrando como este aprendizado mudava (ou mudará) a vida dos entrevistados e acabava com a alegria em lágrimas do pedreiro que iria mandar sua primeira carta de próprio punho ao pai, morador do Ceará.

Corri para a tela do computador, misto de inglês, português, desenhos e números. Olhei para o teclado, 105 teclas (contei), 26 só de letras (sem contar o "Ç") complementadas por códigos e números em profusão.

Comecei a digitar este texto sem o mínimo esforço, sem parar para ordenar estes signos. A grande prova de que as palavras fazem parte do meu próprio ser.

No entanto, e muito embora todos vocês saibam de minha paixão pela escrita, nunca houvera me emocionado ou sequer ostentado orgulho em sabê-lo fazer. Jamais olhara para este simples ato como uma grande dádiva, um conhecimento superior, um desafio vencido...uma enorme conquista.

Ao ver aquele senhor, na TV, chorar de emoção, senti no fundo do coração, que muitas de nossas alegrias são encobertas pelo inconsciente, pela arrogância de nosso automatismo.

E ao mesmo tempo, que não cabe somente aos nossos governantes a tarefa de educar, mas sim a nós mesmos, a lição de deixarmos de lado nosso egoísmo e repartirmos o pouco que conhecemos com quem quer que esteja ao nosso lado.