Estação Paraíso
- Roubaram meu carro !
Devido este pequeno acontecimento, lá estava eu na plataforma do metrô, aquele lugar de Primeiro Mundo. Como sempre, alienado à realidade, guardava meus pensamentos para as treze estações a vencer, o abre e fecha das portas, os “tchun-tchun-tchun-tchuns” intermináveis e os gritos estridentes do metal chocando-se contra os trilhos.
De repente largo o mundo sonoro do subterrâneo para ater-me a dois incandescentes vaga-lumes que, sem constrangimento, insistiam em olhar-me fixamente. Bem à minha frente um jardim de violetas multicoloridas envolviam a jovem de cabelos negros e longos, pele bronzeada.
Timidamente baixo meus olhos. Procuro despistar a situação desconfortável que se formou em segundos, esboçando um enfadonho suspiro, uma leve tossida e uma espiada no relógio, que aliás parou ! De nada adianta. Já estou irremediavelmente tentado a reparar, detalhadamente, minha vizinha “primaveril”.
A adrenalina sobe. O vagão carrega poucas pessoas, que se espalham por seu interior. Parto de baixo para cima, deslizando deliciosamente por pernas morenas, encorpadas e roliças, como que esculpidas com capricho por Rodin. O vestido de algodão, curto e ventilado, dá margem a rápidas fantasias. A cintura fina vai se abrindo e no traje largo alinham-se dois tesos cones pontiagudos. A alça direita, caída, desnuda o ombro onde vê-se a marca deixada pelo biquíni. Entram lábios vermelhos, carnudos, fogosos, que são mordiscados por marfins perfeitos. E finalmente, lá estão eles; dois impunes, indiscretos e sedentos olhos verdes, a consumir-me vorazmente.
Tento sustentar os meus como se não estivesse nem reparando. Entretanto, sou só pensamento libidinosos !
Penso não ser comigo. Olho para os lados. Ninguém !
Um garoto, num banco um pouco afastado, percebendo a situação, esboçam sorriso malicioso. A senhora, que entrou na última parada, encara-me com reprovação. Entro em desespero !
Mas aquelas pernas entrelaçadas são um caminho interminável para o meu desejo. Os seios empinados viram dois picos de Agulhas Negras implorando em serem escalados. A boca...ah, a boca, mesmo fechada, me chama... Em meu delírio já estou a abraçá-la, rasgando seu vestido sem calma, arrancando “lingeries”, pressionando meu corpo contra o dela, sentindo nosso suor, ouvindo sussurros suplicantes, sentindo seu perfume, mordendo seus lábios, apertando-a...
Ela, contudo, mantém-se impávida. Ajeita descompromissadamente os cabelos, levanta devagar a alça e acomoda-se melhor no assento sem desviar o olhar.
Mais uma parada. Entra um senhor e cruza a zona de combate. Agora ela há de mudar seu alvo. Não muda. Continuo sendo bombardeado.
- Isto não pode ser real - penso. O Natal ainda está tão distante !!
Num movimento veloz ela descruza as pernas. Prendo a respiração. (Taquicardia !) Será que dá muito tempo de cadeia fazer sexo num vagão do metrô?
Impaciento-me; faço algum gesto? Abro um sorriso? Quem sabe se eu disser algo?
Oh não! Não posso mais me levantar ! Diabos de calça social !
O alto-falante anuncia;
- Próxima estação... Paraíso.
E aquela tentação de maçã na minha frente. É o sinal dos céus !
Ela remexe na bolsa e tira algo que não me importo muito em definir o que é.
Quando decido levantar-me as portas se abrem. Entra um funcionário do metropolitano e dirigindo-se diretamente à jovem balbucia algo inaudível, ajudando-a cavalheiristicamente a levantar.
Na mão dela um pequeno bastão, num tranco seco e mágico, transforma-se numa varinha que tateia vagamente o chão.
Saem devagar, funcionário e ceguinha. Soa a campainha e o trem parte novamente.
Alguém conhece um analista freudiano ?