AINDA SE LÊ KAFKA?
Que mal pergunto, hoje em dia, onde o cidadão comum continua a ser apenas um mero detalhe, ainda se lê Franz Kafka? Sim, Kafka, aquele autor alemão do primeiro período da literatura contemporânea, que escreveu entre outros contos “A Metamorfose”, “ O Artista da Fome”...
Neste último conto, Kafka retrata a vida de um jejuador numa época em que todos mostravam interesse e não faltava quem ficasse dias inteiros sentado diante da pequena jaula olhando assombrado “aquele homem pálido de costelas salientes que, desdenhando um assento, permanecia estendido na palha esparsa pelo solo, e saudava às vezes cortesmente ou respondia com forçado sorriso às perguntas que dirigiam a ele, ou tirava um braço por entre os ferros para fazer notar sua magreza, tornando depois a sumir-se em seu próprio interior onde permanecia olhando para o vazio com olhos semicerrados, e apenas de quando em quando bebia em um diminuto copo um golezinho de água para umedecer os lábios”. Havia vigilantes permanentes, que tinham a missão de observar dia e noite o jejuador para evitar que pudesse alimentar-se. Jejum esse, que durava quarenta dias.
Um belo dia o “artista da fome” viu-se abandonado pela multidão ansiosa de diversões, e sem outra alternativa foi parar num circo. Com o passar do tempo, sem despertar interesse, foi esquecido dentro da jaula. Uma ordem seca do inspetor ordenou que a jaula fosse limpa. E assim o jejuador foi enterrado junto com a palha. Mas na jaula puseram uma pantera jovem, formosa fera. Nada lhe faltava. Seus guardas traziam a comida que lhe agradava. E a alegria de viver brotava com tão forte ardor de sua garganta que não era fácil aos espectadores fazer-lhe frente. Mas venciam o próprio temor, apertavam-se contra a jaula e de modo algum queriam afastar-se dali.
E tudo continua como dantes... Este texto de Kafta foi escrito entre 1913/1921. Segundo o crítico literário George Steiner, nenhuma voz foi testemunha mais verdadeira da natureza de nossos (eternos) tempos.