MAIS NOTÍCIAS MÁS? - Berenice Heringer

Basta ligar a TV que a avalanche vem vindo. É como aqueles gêiseres finlandeses incoercíveis e poderosos. A gente desliga e se liga na possibilidade de um vir-a-ser que não seja tão caótico. Mas os caras ricos estão de olho nos jatinhos, monomotores, planadores. Outros se penduram em mil balões, bam-bá-lá-lão, senhor capitão! Parece que em cada esquina há uma turma de Ali Babá e seus quarenta ladrões.

A vizinha se desorienta. Nos campos de pouso as birutas se inflam para indicar a direção do vento. Meu primo, hoje um setentão, já era engenheiro e cabeça de vento na década de 50. Possuia e pilotava um teco-teco. Acho que nunca aterrissou, realmente. Continua nas cascatas de nuvens e agora administra pedalinhos em praia de areias monazíticas.

Fico pensando na herança genética, histórica, geográfica do nosso país. Brasil, braseiro, abrasado, trezentos anos de escravatura, colonizado, explorado, ambicionado por todas as outras nações. E que foi salvo pelos imigrantes alemães, italianos, japoneses.

Aqui no ES, o percentual de descendentes italianos é de 50%. Há 132 anos que esta terra nostra virou terra vostra. E 184 anos da chegada dos primeiros colonos alemães para estas terras de aimorés, botocudos, crenaques, pataxós, temiminós, tupiniquins. Tapuias e Tupis. Taperas e trapoerabas, ubérricas terras-roxas e massapés e os trabalhadores emigrados/imigrantes abaixo da escala social dos escravos.

As famílias teutas, carcamanas, japas e nisseis subjugadas e vilipendiadas neste paraíso verde, tropical, dominado pelos lusos. Latifundiários, usineiros, cafeicultores, pecuaristas, párocos, juizes, meirinhos, intendentes...O poder constituído todo na mão dos portugueses.

Vamos pensar um pouquinho, neste ano do centenário da imigração japonesa, cuja primeira leva chegou aqui vinte anos após a promulgação da Lei Áurea. 1888-1908.

Já pensou no caos social que imperava aqui? Os negros alforriados despejados das senzalas, os sinhozinhos revoltados pela perda da mão de obra grátis, a misturolândia dos pretos-forros ex-reprodutores nos haras daqueles que denomino escravaginistas, a falta de moradia, o início dos ajuntamentos promíscuos nos arredores das vilas e arraiáis. Antes os negros não podiam se casar. Só acasalar. Quanto mais procriavam, mais braços para a lavoura, mais lucro para os escravocratas, mais boa-vida às sinhazinhas e sinhás-moças.

Os imigrantes mantiveram uma certa coesão familiar. Eram família, naquele contexto católico colonial convencional neste nosso paisão confuso e de muitas ideologias e doutrinamentos.

Os colonos estrangeiros abominavam o trabalho escravo. As famílias sobreviviam só com seu próprio esforço e de todos os seus membros. Havia um código de honra e de conduta rígido. Eles não abdicaram facilmente dos costumes e crenças dos seus países de origem. Posso falar de cadeira sobre os imigrantes alemães. Eles foram muito massacrados!

Honra seja feita: os imigrantes foram a salvação da lavoura nesta terra que em se plantando tudo dá.

Espero que não me enquadrem na Lei Afonso Arinos por ter a ousadia de levantar tais questões. Mas é uma reflexão histórica-antropológica-social. A imigração em nosso país foi um fator de coesão e de manutenção de uma certa ordem capaz de possibilitar a hegemonia deste nosso povo. O Brasil, por ser um dos países que teve o período de escravatura mais amplo, aquele que extinguiu o trabalho escravo mais tardiamente, tem uma herança maldita.

Não adianta rezar, nem fazer promessa. Não se derrubam evidências com pensamento positivo, nem com essa balela de aumentar a auto-estima. Bom mesmo é vergonha na alma.

Vila Velha, 1º de junho de 2008.

Berenice Heringer
Enviado por Berenice Heringer em 04/06/2008
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