A sanha arrecadadora dos governos
A SANHA ARRECADADORA DOS GOVERNOS
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 04.06.2008)
Joinville, SC - Impostos são antipáticos por natureza. Ninguém gosta de pagar impostos. As pessoas dizem: se eu tivesse algum retorno, se eu visse algum retorno do imposto que tenho que recolher religiosamente, até que nem reclamaria de pagar tributos ao governo. Não é verdade, claro: as pessoas, essas mesmas pessoas, não param para avaliar se houve efetivamente - ou não - algum retorno em retribuição ao imposto arrecadado; preferem, para não ter que rever suas opiniões, fixar-se nos noticiários de televisão que falam de desvios, sangrias, corrupções, fraudes e subornos promovidos com, ou sobre, o dinheiro público.
Filosoficamente, o imposto é antipático, malvisto e malquisto já pela origem da palavra, que provém do verbo impor, ou seja (Aurélio), "tornar obrigatório ou indispensável; forçar a observar ou a tomar". O imposto, assim, passa a ser algo que se fez aceitar à força ou, talvez ainda pior e mais doloroso, que se fez "realizar" à força. Algo imposto sempre representa a expressão mais acabada da autoridade absoluta, muitas vezes do autoritarismo puro e simples, apoiado na força da armas. Impor é criar inimigos. Ou preservar a hierarquia, dirão outros.
Numa democracia - reconquista em 1985 do Brasil, do povo brasileiro, a qual deve ser preservada acima de todas as coisas -, impostos só existem se forem aprovados pelos representantes do cidadão, estejam eles nas câmaras municipais, assembléias estaduais e distritais (no caso do Distrito Federal) ou na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Isto quer dizer que o imposto que nos sangra o bolso foi consentido, em última análise, por pessoas eleitas por nós para nos representar e defender nossos interesses - ainda que não cumpram essas funções básicas, pelo que mereceriam o nosso repúdio, muitas vezes são reeleitas.
Sobre o tema, manifestou-se por carta na quinta-feira passada, aqui neste Diário, o leitor Renato Tadeu Scoz. O senhor Scoz é uma pessoa séria, que costuma externar suas opiniões sem se vergar ao "consenso nacional", muitas vezes arquitetado por detrás de interesses maiores, nada ingênuos ou altruístas, e pouco confessáveis.
Ponderava ele, na ocasião: "Dizem que a carga tributária é absurda e que a solução está na tal redução [de gastos públicos]. Mas, afinal, reduzir o quê, quanto e onde?" Ele se mostrava indignado pelo fato de "analistas políticos, econômicos e sociais" exigirem essa redução (uma voz unânime que, à custa de tanta repetição, torna-se verdade assumida e inquestionável, pressuposto de discussões que partem dali esquecidas de duvidar da validade do dogma) sem "esclarecerem do que estão falando". E lembrava: "Muitas vezes, os mesmos que pedem a redução dos gastos públicos reclamam da necessidade de mais policiamento, mais presídios, mais fiscalização do meio ambiente, da vigilância sanitária, do INSS, das fronteiras. De mais médicos e servidores da saúde, de professores etc. Tudo isto é gasto público."
Na verdade, parece urgente uma revisão séria do cálculo da dita "carga tributária". Em primeiro lugar, é preciso levar em conta um grato componente admitido por todos nós, pessoas físicas e jurídicas: a sonegação fiscal (também citada pelo Sr. Scoz), prima-irmã da pirataria. Em seguida, por uma questão de honestidade de propósitos e finalidades, deve-se abater do volume total de impostos arrecadados todos os incentivos, isenções, facilidades, estímulos e obras de infra-estrutura concedidos pelos governos à iniciativa privada - a mesma iniciativa privada que brigou contra a CPMF "em nome do contribuinte brasileiro", ganhou a briga e... embolsou esse dinheiro quando não baixou o preço dos seus produtos e serviços.
(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro "Da Importância de Criar Mancuspias", crônicas)