Em torno da saudade
 
A Artur da Távola - in memoriam
 
Belvedere Bruno
 
Naquele estado entre a vigília e o sono, entrevi  seu sorriso, e senti-me envolvida por um suave estremecer. Pensei que seria bom enviar-lhe meu último conto, O homem e as flores. Não havia, não sei por que motivo, partilhado com ele a emoção daquele texto curto e um tanto inusitado. Sabia, no entanto, que ele teria gostado. Saindo daquele estranho torpor, despertei. Vi-me, então, frente à realidade, e   uma tristeza indescritível tomou conta de mim.  Nunca mais  ele voltaria a ler, a comentar meus textos, a fazer sugestões e a trocar idéias sobre eles; um partilhar  ao qual me acostumara nos últimos anos. Era uma amizade   sincera , que sempre prescindira de comentários e alaridos  em torno dela.
Não fui pega de surpresa com sua partida. Nos últimos tempos, havia silêncio. Mensagens  monossilábicas me soavam como ritos de despedida.
É difícil preparar-se para um desfecho triste. Dói. Mas nada se  compara à dor da certeza de que tudo realmente  acabou.
Deixei que o tempo passasse,  e agora , aquietada , posso  falar sobre a falta que ele  me  faz.
Dizem que ninguém é insubstituível. Discordo, já que todos são diferentes, têm as suas particularidades: uns, quase perfeitos, e outros, adoráveis por seus defeitos. 
 Tive a  grata oportunidade de entrevistar Artur da Távola no ano de 2005, e  marcou-me, de forma indelével, a resposta que dera em relação à grande lição obtida através de seu exílio. Transcrevo suas palavras:
"Aprofundar o meu conceito de democracia, que me fez sair de um socialismo um tanto ingênuo e penetrar na social-democracia. O outro sentido foi o de verificar o quanto amo este país. E o terceiro, foi aprender o significado real da palavra saudade..."
Nunca haverá quem preencha o vazio que ele  deixou em minha vida. Guardarei  na memória seu constante  incentivo  às minhas letras, sua  generosidade e  suas ponderações, que sempre  me serviram como  verdadeiras diretrizes  de segurança.
  Que  sons  sublimes acompanhem seu  vôo, juntando-se  às  amorosas vibrações de todos os que mereceram a amizade, a atenção e a confiança desse ser humano ímpar.
  Quisera poder, como o personagem Marcos, do conto O homem e as flores, derramar lágrimas perfumadas para o meu  querido amigo que se foi.