A ESCRITORA COMENTA A VIDA
                                                        (conversa de blog 2)


              E vê só, eu ainda não tinha me ligado de que buscava a meu pai todo esse tempo.
             Meu pai tinha a tez bastante escura, apesar de ter os olhos azuis.Alguns árabes que compravam sapatos lhe perguntaram certa vez se ele era "patrício". Essa mistura de raças, mãe alemã e pai italiano com português, resultou em pessoas de traços incomuns e ele era bonito.  Eu tinha com ele uma ligação forte, o que não havia com os outros filhos. E sabe, a minha crônica de hoje, FOTOGRAFIA, foi escrita tendo como ponto de partida, apesar de ser o final da crônica, algo que eu tinha escrito pra você na carta de ontem e que não enviei por descuido..   
                Quando a gente começa a evocar coisas do passado e vai escrevendo assim sem pressa, detalhes nunca mais lembrados, até sensações,  vão saltando lá do fundo como peixes. Mas temo fazer isso com fatos que deixaram marcas ruins, como fiz com o texto Revelação, apesar de aquele momento não ter sido propriamente traumático.
               Você me surpreende com sua apurada leitura da minha pessoa, e com tanto carinho por uma estranha, alguém que nem sabe se existe assim como uma mulher, ou sabe? Acertou em cheio sobre o fato de eu estar querendo corresponder ao que pensei ser do teu agrado, as meninas sempre querem agradar ao homem, numa repetição do primeiro amor, o pai, então...
                E a partir daí você deduziu que eu tenho medo de que não volte, tenho medo de perder quem me tratou assim tão carinhosamente. Acertou em cheio. Eu tenho a péssima mania de não querer perder ninguém com quem tenha alcançado algum envolvimento, seja quem for. Daí a minha dificuldade em virar páginas. Mas a vida se encarregou de virar por mim e levou meu segundo pai. Eu sei por que sinto mais falta dele.
.          Meu marido era uma pessoa que me pôs no colo e nunca mais deixou eu andar. Foi um refúgio tão irresitível, tão completamente perfeito que eu esqueci de que havia algo além do nosso convívio.  E quando ele morreu, eu acabara de me encantar com um homem,   uma pessoa  que me deixou completamente entregue e a quem também eu devo ter tocado em algum ponto vulnerável, ainda que recôndito.  Foi natural que eu estando num momento de tamanha fragilidade,  o que se seguiu ganhasse dimensões não só de apaixonamento, mas muito mais do que isso.  Tenho plena certeza de que jamais algo assim  ocorrerá novamente, pois certas experiências são únicas, no mais amplo sentido que tal palavra possa ter. E agora me dabato diante dos indícios de uma nova perda.
              Está doendo muito viver este momento. De todas as maneiras imagináveis. E me senti uma completa idiota tendo escrito pra você aquele texto que não era eu de forma nenhuma. Uma encenação péssima, apesar de ter mexido muito comigo. E logicamente não deixaria você indiferente. E isso foi "vingança"? 
              Tens toda a razão ao afirmar que estou querendo queimar etapas, acelerando um processo que exige seu tempo de maturação. Mas o tempo é algo que agora não corre a meu favor. Aí tudo se enfeicha, se torna urgente. Uma saia justa e tanto, mas eu não sou potranca de arrepiar carreira, sou bastante obstinada. Meu psiquiatra me falou certa vez que eu estava sempre mobilizada... e há remédio? Se a gente se desmobiliza, a peteca vai ao chão. E no chão é onde ficarei um dia certamente, por isso não tenho pressa. Meu marido dizia que para as meninas bonitas, sempre havia meninos prontos a consolar quando estavam tristes. E meu filho falou que eu devia testar o quanto é boa a minha literatura, colocando uma foto de mulher feia. Esses meninos estão a repetir o pai. Nada como uma brincadeira para desanuviar.
               Decididamente, parece que estou fadada a perdas. Que pelo menos isso resulte em alguma lietratura
...
tania orsi vargas
Enviado por tania orsi vargas em 03/06/2008
Reeditado em 03/06/2008
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