Lise onde estiver
Mas não paremos neste ponto. Subamos à escada. Lá está Juni falando sozinha: a camarada pensa que é das grandes! Para que ríssemos. Ríamos. Mas não paremos neste ponto. Subamos neste banco como antes. O corvo vê e somos nós que saímos de dentro da cortina de fumaça. Lancemos os sinais aos mundo enganador, que lancem sobre nós o amor nunca revelado. A porta aberta da memória é o modo lunar dos olhos enamorados se abrindo novamente, essencialmente amoráveis. Mas não paremos neste ponto dos passos na lajota onde ouvimos o amor perfeito. Lise seguiu abrindo repentinamente a porta de Brígida como o chefe de cozinha Guilherme Tirrel, chefe das cozinhas reais. Por quê? Foram os peixes que interromperam um segundo de amor perfeito, desmantelando-os. Que direito tinha Juni? Que direito teve de desaparecer em ruas movimentadas fugindo do inverno no ventre. Mas que culpa teve Tirrel por não ter recebido em tempo os peixes que destinara a mesa de Luiz XIV? Que culpa temos nós, Lise? Essa de morrer ao sumir no tempo sem jaez?
Após o silêncio imperial surta o fantasma do pai morto assobiando na cerração de Juni. O pai morto na guerra e ela agora é a moça que beija o namorado na cama da mãe. Lise no andar de baixo prosseguia falando sobre a viração da mocidade no auge da velhice. Ao lado do pai havia outro homem que lembrava o Focinho Castanho, apelido do vizinho na fotografia de estúpidos olhos esverdeados, tristes, feitos de imagem morta em papel. O homem ao lado do pai manteve-se falecido. Morto por incógnito! Talvez o único sobrevivente desse resto momentâneo de vida armazenada pela curiosidade. O que jamais ficaria longe das garras terríveis dos olhares. A moça sorrindo dominou Lise envolvida com um abraço caloroso. Desfizeram-se os detalhes jogados sobre o capim recoberto de folhagens que apodrecem.
Mas não paremos neste ponto. Tenho a impressão de que mora no vento um rio de almas. A luz incidiu no espaço eterno (será eterno?) um pedaço de filme para cada um de nós. Lise onde estiver: é preciso insonorizar as ruas até que o silêncio se faça. Para que não se quebre o direito a lembrança.