SURUBAS & SURURUS - Berenice Heringer

Sei que hoje vai ser o início de um Congresso de Direito e Psicanálise aqui em Vitória.

Vi ontem à noite na TV a entrevista de uma das organizadoras. E já não dava mais tempo para fazer a minha inscrição. O evento não foi divulgado. O lema é sobre os Tempos Sombrios. O panorama do terceiro milênio, que só tem sete aninhos, nem entrou ainda na idade da razão e já nos acena com os causos sem precedentes. Até merece o pleonasmo de caos caótico que o Reitor da Universidade Federal de Viçosa usou apropriadamente em seu discurso na Formatura da turma de 1997. Havia mais de dez mil pessoas no auditório.

Os ambientes universitários são agora o depósitos de jovens completamente desorientados, com raríssimas e honrosas exceções, o que chamo de Bordel Gigante. Mas quero abordar especificamente tal imbroglio em outra crônica-censura. O assunto é complexo demais. Fiquei estarrecida enquanto fazia a revisão de um texto de mais de trezentas páginas, que vai virar um livro, do ex-universitário, atual Arquiteto João César de Melo, que passou doze anos no Campus, primeiro no estado do RJ, depois aqui na Ufes. O ambiente universitário, hoje, eu denomino Campo de Concentração, às vezes de Extermínio, as novas Theresienstadt, onde se pratica a auto-tortura. Os cenários de mentira, os bancos falsos, as ilusões esboroantes, a liberdade absolutista, os enredos autóctones desenfreados.

Perguntei ao meu filho, lá em Viçosa; "o quê rola aí?" Ele disse: tudo e de tudo, assassinato, aborto, droga, tráfico, suicídio, roubo, loucura, alcoolismo, cafetinagem, chantagem, brigas. Perguntei se havia sexo grupal, suruba e swing e ele disse que sim. Isto há doze anos atrás.

Ao meu outro filho, aqui na Ufes, à mesma época, perguntei se era cantado pelos homens, ele, um galalau mui guapo, disse que sim, mas os tais tinham de olhar bem para cima.

Eis-me aqui parodiando Sigmund Freud que disse: "Não criei essas coisas, apenas interpretei-as". Não possuo a clareza e a profundidade do Mestre. Acho que só posso relatar. Mas sou um expectador da minha época, uma testemunha ocular, mesmo não tendo uma córnea no olhinho esquerdo. Coloco a mão na massa, tomo partido (é melhor do que tomar umas & outras), deixo vir à tona minha perplexidade e inquietação. Concordo com os cientistas que dizem que o observador influi na coisa observada. Não há como ser indiferente. As coisas passam por nosso crivo subjetivo e logo estamos emitindo juízos de valor. A Psicologia inaugurou a Era da Permissividade com a obra célebre do Dr. Benjamin Spok , A Vida do Bebê, antes do meado do século passado, no pós-guerra.

Mas e os Sururus? O quê vão fazer aqui? Na linguagem popular, sururu é confusão, fuzarca, baderna. Nas cidades litorâneas (eu sou capixaba, mas nasci no oco do pau num mato à sombra da pedra) existe o endeusamento e a confeitagem das iguarias praianas, ribeirinhas, alçadas quase à categoria de comida dos deuses, aquela idolatria do prato que sacia até a glutonaria da alma, como nos personagens de Rabelais, Molière e outros.

Aqui se diz que Moqueca é só a Capixaba. O resto é peixada. A moça me disse que adora sururu. Eu rebati que detesto. Nada a ver com o molusco, mas tudo a ver com a idolatria que menospreza a selvageria e a exploração do trabalho escravo infantil, no nordeste e plagas litorâneas nessas Brasilcidades. As crianças mergulham na lama para catar os bichinhos e quase se matam. Algumas morrem por infecções, raquitismo, miséria, contaminações, só para entregar aquelas lesminhas de capote aos espertos exploradores que as repassam aos exigentes gourmets de excentricidades.

Sururu, nesse caso da exploração e da fixação em fetiches gustativos, é mais degradante do que uma sessão de suruba. Vila Velha, 29 de maio de 2008.

Berenice Heringer
Enviado por Berenice Heringer em 03/06/2008
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