A Pergunta
Alguns amigos filósofos, ou livres pensadores, como costumam se auto-intitularem, dizem que a maior revolução filosófica foi a questão: por que?. Perguntar o por que de todas as coisas fez com que surgisse todos os avanços da humanidade. Eles não se referem ao por que curioso da humanidade, mas ao por que aristotélico, ou seja, o lógico. O por que que perscruta cada coisa existente em seu íntimo. O por que que faz avançar a inteligência e a capacidade humana de resolver problemas e modificar o ambiente em que vive. Eles acreditam que o verdadeiro por que surgiu na Grécia de Sócrates, Platão e Aristóteles. Antes destes grandes filósofos, que são o fundamento de toda filosofia, o por que praticamente não existia. Na verdade, para eles, a palavra por que não existia em nenhuma cultura pré-helênica. O homem era puramente ação, havia uma nulidade de reflexão. Para mim, isso beira a radicalidade pseudofilosófica de meus amigos. Acho que eles confundem a ausência da escrita com a ausência de reflexão.
Meus amigos filósofos dizem que os questionamentos socráticos ampliaram o entendimento humano. Sócrates apresenta o homem ao homem. Faz do homem o centro da existência. Nada, nada mais seria o mesmo depois de Sócrates. Sócrates faz surgir Platão, Aristóteles, Xenofonte e muitos outros. Um amigo diz, ironicamente, que estas letras que você lê são produtos socráticos. Alguns vão mais longe dizendo se não fosse Platão não haveria cristianismo. Porque Platão criou Agostinho. Aristóteles criou Tomás. Um amigo cristão disse-me uma vez que há uma promessa no Antigo Testamento mal interpretada. Ele dizia que as Escrituras prometiam a vinda de um anunciador, alguém que viria preparar o mundo para a chegada do messias judeu. Para o cristianismo esse anunciador foi João Batista, mas a própria Escritura deixa meio vago esse entendimento. Parece, segundo meu amigo cristão, que era muito mais desejo de João do que das Escrituras. Para ele, o anunciador ou preparador foi Sócrates. Daí ele apresenta várias comparações entre Sócrates e Jesus. Como dizia o jovem professor primário Wittgenstein, com a linguagem podemos fazer o que quiser.
Meus amigos não admitem a fé. A fé é covardia, é medo de saber a verdade. Para eles, o filósofo tem que ter coragem de desvendar a verdade mesmo que essa seja contrária às suas convicções. E repetem com Pilatos diante de Jesus: O que é a verdade? Toda a vida deles se resume nesta busca: a verdade. Eu penso baixinho para não criar polêmica: Quanta ingenuidade da pluralidade do pensamento humano em encontrar algo tão singular como a verdade. Será que eles não percebem que a verdade seria a negação da existência? Será que tem que ser muito filósofo para não enxergar a idiotice de tal missão?
Para mim, a verdade é algo cansativo, ímpar, rotineiro, tolice, etc. A busca pela verdade é justamente o contrário do ser filósofo. Talvez por isso que Jesus se cala diante da pergunta feita por Pilatos. O que será que Jesus pensou naquele instante em que estava cara-a-cara com o romano Pilatos? Talvez não acreditava em tamanha tolice que perguntava um homem que parecia ter grande cultura. A verdade? Tolice! Ao contrário, Jesus deixa bem claro qual a sua missão: criar confusão! Sim, confusão. Porque confusão é pluralidade, é aventura, é vida intensa, é busca por algo que não se satisfaz jamais. E até hoje suas palavras confundem gregos, romanos, cristãos, ateus, etc. Assim como Sócrates, Jesus confundiu sua geração e as gerações futuras. Sócrates e Jesus abalaram convicções, culturas, filosofias, políticas, religiões, etc. Talvez tenha razão meu amigo cristão, Sócrates foi o grande anunciador de dias confusos, dias confusos que viveu intensamente Jesus.
Digo aos meus amigos que a maior revolução filosófica não foi a questão: Por que? A maior revolução filosófica foi a questão: Para que? Todos os filósofos criaram seus argumentos sobre as suas impressões acerca da existência, porém, todos, sem exceção, jamais conseguiram criar um argumento tão convincente acerca do objetivo da existência. Todo pensador que se depara com a questão: Para que?, entra em grande contradição e no mínimo é a maior dificuldade filosófica de todos eles. Como dizia Senancour: O que fazemos, nós, aqui, se vamos desaparecer? Ironicamente, para esta pergunta só a religião pode fornecer uma resposta que realmente agrada a vontade humana.