Cãozinho Companheiro

Cãozinho é modo de dizer, é a maneira carinhosa de me dirigir ao Monte Negro. O nome do "cãozinho" corresponde ao seu porte. Era uma enorme cão, com pelos pretos e lustrosos.

Qualquer pessoa que ouvia o seu latido, tremia de medo, ficava apavorada. Só eu e os meus 06 irmãos entendíamos que o seu latido indicava proteção para nós.

Monte Negre surgiu em nossas vidas a partir de nossos desejos. Vivíamos pedindo ao nosso pai que arranjasse um cão de raça., acreditávamos que seria muito prazeroso.

Como papai sempre procurava atender na medida do possível o que pedíamos. Saiu em busca do tão sonhado cão. Na época não havia lojas para vender animais, então teve que apelar para uma pesquisa entre os moradores do bairro e dos bairros vizinhos. Até que descobriu que no bairro Arariguaba havia um cão que estava de acordo com o que desejávamos.

Procurou o dono e não perdeu tempo, investiu na negociata. O dono não queria desfazer do animal. Papai como sempre, ótimo negociante, foi convencendo o dono a vendê-lo.

Quando tirou do bolso um bela quantia e apresentou ao proprietário do cão, imediatamente ouviu:

- É seu, pode levar.

Foi um bom negócio para os dois. Um, porque iria levar alegria para os filhos e o outro porque a quantia iria ajudá-lo na quitação de uma dívida.

A partir daquele momento, ganhamos mais um membro da família. Digo membro porque era assim que considerávamos o amado cão.

Ele ficou tão familiar que sabia até a hora que íamos e voltávamos da escola.

Estudávamos no Liceu Muniz Freire, escola tradicional .Para estudar nessa escola, prestávamos exame de admissão, tipo o vestibular de hoje. Para os pais era um orgulho ter os filhos estudando na referida escola.

Quando aproximava a hora da nossa chegada da escola, lá estava ele , o nosso companheiro e amigo Monte Negro, no pé do morro São Luiz Gonzaga, na Rua Machado de Assis. Ele ia nos buscar e nos acompanhava até em casa.

Aí daquele que quisessem se aproximar de nós, ele avançava, latia , ameaçava morder.- Nínguem se atrevia - Íamos a pé para escola e também voltávamos e ele sempre nos acompanhando.

Um belo dia ele foi além dos limites. Resolveu me acompanhar até dentro da escola. A minha caminhada foi difícil, dava alguns passos e ele estava atrás, pedia para voltar , mas nada. Fingia que voltava e continuava me acompanhando. De nada adiantava eu pedir que voltasse.

Ao chegar no portão do colégio, o sinal bateu, eu entrei correndo tentando me desvencilhar dele. Para minha surpresa , ele entrou junto comigo. Que confusão!!! Foi um tal de : Uí!! Aí!! Que medo!!. Tira este cão daqui!! Sem falar na choradeira de algumas crianças medrosas e mimadas. Uns corriam de medo e outros só para fazer farra. Ninguém desconfiava que ele só queria me fazer companhia.

De repente ouço um grito forte do inspetor:

-Yara !! Venha cá.

-Que idéia é essa de trazer o cão para a escola?

- Você vai pagar por isso?

Foram muitas perguntas , sem aguardar respostas. Eu fiquei sem entender porque tantas perguntas.

Acredito que ele só queria perguntar, mas não queria ouvir a minha resposta, uma vez que acreditava que tinha toda autoridade e que aluno não tem vez nem voz.

Determinou aos berros:

- Vá para a sala 18, agora!!!

Tremi, mas obedeci.

Sabem? Esta sala era um lugar onde ficavam os alunos mais rebeldes da escola. Para eles era um prêmio, ficavam alí, sem fazer nada, durante todo o período das aulas.

Eu nunca consegui entender este tipo de castigo e nem porque foi parar na determinada sala.

O meu pensamento naquele momento esteve povoado de muitos porquês e "o quês": - O que cometi? - Por que estou aqui?

Por que não me deixam explicar?

Não entendia porque só professores, diretores, inspetores e outros "ores" podiam falar, dando a versão do acontecimento que fosse mais convenintes para eles.

Foi do início da 1ª aula até a última aula, eu ali dentro da sala, perdida nos meus pesnamentos e sentindo-me injustiçada.

Ah! Já ia me esquecendo , antes de ficar presa na sala, tive que passar o maior vexame de ter que correr atrás do meu cão e colocá-lo para fora do portão.

Vários alunos assisitiram o meu desespero de ter que colocar o cão para fora e gritavam e riam sem parar.

Eu indignada, pensava - já não basta passar pelo vexame que passei , correndo atrás do cão para tirá-lo do pátio? Preciso ficar, aqui nesta sala como uma aluna rebelde para que todos vejam? Se me perguntassem porque estava alí, não saberia responder, pois não via como rebeldia o carinho que o Monte Negro tinha por mim.

Apesar de Monte Negre me submeter a todos esses vexames, sinto ainda muitas saudades dele. Era realmente amigo , companheiro, fiel e protetor.

Nunca mais encontrei um cão com ele.