Histórias que o povo contam: Valborg
No dia 30 de abril, aqui na Suécia, se comemora o "Valborg", que é a queima de enormes fogueiras.
Há várias interpretações para esta festividade:
Primeiro, no outono caem muitas folhas das árvores, que ficam depositadas o inverno todo debaixo da neve, e com a chegada da primavera, todos querem se livrar desta "sujeira debaixo do tapete" (por mim denominada). Das árvores também caem galhos secos e outros são retirados por segurança. Só é permitido queimadas na Suécia neste dia e caso haja infração desta lei, penaliza-se com multas.
Segundo, é a saudação à primavera, apesar dela já ter ocorrido há mais de 30 dias, porém, é nesta época que a vegetação está viçosa.
Um intervalo para eu poder falar da parte agradável:
O Valborg é comemorado com rituais de dança, mas ainda não consegui assistir a nenhum destes rituais. No ano passado eu pouco sabia sobre ele e ainda dependia do companheiro para me levar. Quando chegamos ao local, só havia brasas, deixando bem claro a semelhança com o outro nome dado a esta comemoração, também denominado de "majbrasa" (talvez seja "brasa de maio", porque maj significa maio).
Neste ano, nesta data, estávamos no restaurante de meu companheiro em Flen, uma cidade pequena sem grandes comemorações. Através de informações verbais de nossos clientes e após o final do expediente, seguimos rumo a comemoração do Valborg. Subimos escadas de um suntuoso morro, cheguei ao topo dele esbaforida, coração acelerado, língua de fora, correndo atrás de um homem maduro de 50 anos, magricela, corpo e agilidade de um jovem. Euzinha, só sou jovem de espírito.
Sabe o que tinha lá? Nada!!!
Descemos e fomos em busca de fumaças. Encontramos uma fogueira numa "sommar stuga", casas de verão num local particular. Os olhares das pessoas para nós intrusos eram de: "Passa fora!". Tirei uma fotinho miserável e voltamos à nossa procura. Paramos em um quintal de uma casa, mas antes de chegar, eu disse: "Só faltava entrarmos num grelhado particular" (grelhado aqui é churrasco). E não deu outra, então, continuamos nova busca.
Enfim, depois de errar o caminho, acabei encontrando o local público. Satisfeita? Não.
Eu esperava coisa melhor, igual a Stockholm, com eventos como danças e outras atividades.
Depois disto revolvi interrogar vários suecos de minha convivência e alguns deles idosos, sobre a origem do Valborg. Porque quando eu dava aula, estas eram por projetos, e um dos meus projetos era "Histórias que a família conta". E eu obtinha excelentes resultados.
Eis as respostas sobre o Valborg:
De um sueco: "É o sueco falando oi para a primavera, e a queima de todo lixo depositado por baixo da neve".
De meu companheiro, que lê tudo e sabe mais da Suécia do que os próprios suecos: "É o dia em que se pode queimar coisas indesejáveis, como resíduos nos jardins e parques, e queima dos maus espíritos".
Cutuquei e descobri que na Suécia, na época da inquisição, se queimavam mulheres vivas, que consideravam terem pacto com o "diabo". Os suecos não gostam de falar disto, embora acreditem na queima dos maus fluídos, dito por outros brasileiros que dominam a língua melhor do que eu. Uma brasileira disse isso na presença do marido e ele não contestou - porque sueco não mente.
Estou cansada de ler um monte de bobagens, em busca das queimas das "bruxas suecas" e nada encontrar, a não ser a existência do local que o meu companheiro prometeu me levar para fotografar, e que nada tem de interessante.
Ele me ajudou na busca de respostas em sites suecos e me acompanhou na tradução. Escreverei com minhas palavras o que foi encontrado:
Na época dos vikings é que foi iniciada esta queima de fogueiras no dia 30 de abril, porque no dia primeiro de maio eles acreditavam ser o início da primavera.
Neste dia soltava-se os animais confinados durante o inverno. Como aqui há lobos, raposas, entre outros predadores, as fogueiras eram acendidas no intuito de afugentar os predadores de animais domésticos. Isto virou um ritual e eles viam na primavera o início de bom tempo, selando com o fogo o fim de uma época ruim, e o fogo afugentava o mal, ou seja, a neve e os animais que representavam perigo. Isto passou a ser considerado também a queima de maus espíritos.
Na inquisição, acreditava-se que as mulheres consideradas bruxas teriam pacto com o diabo (aqui ele é chamado de "jävla"), passaram a queimá-las neste mesmo dia.
Baseados nesta crença, até hoje utilizam este dia para uma limpeza espiritual.
O Valborg é uma festa com ritual tão importante quanto as festividades de Natal e Ano Novo.
Fazendo um apanhado geral do que li, a mulher é considerada uma tentação mundana, afastando o homem do caminho da purificação. O cristianismo foi um fardo pesado para a mulher até o século XVII. Joana Darc fora devorada pelas chamas do fogo, condenada por ouvir vozes, considerada ser uma herege enviada pelo demônio. O ritual de queima de bruxas eram com nos filmes: espetáculo imperdível e era assistida por uma multidão.
O que pude perceber nas atividades que presenciei, foi uma multidão bebendo muito e assistindo a queima da madeira. Além da queima de entulhos e fogos de artifícios, este evento traz para as ruas todas as pessoas solitárias e entocadas dentro de casa, saudando o retorno do clima quente e a volta da vida na natureza.
Se eu continuar a assistir a estas festividades será acreditando que estas fogueiras queimam os maus espíritos, mas os espíritos do clero que julgaram e condenaram mulheres por serem sensitivas e habilidosas, acredito nas bruxas malvadas dos contos de fadas. Tudo bem que existem umas mulheres que tentam fazer o mal por aí, mas como sempre o feitiço vira contra o feiticeiro e acabam caindo de suas vassouras...
Com carinho
Gislânia Dornelas
Stockholm, maio de 2008.