O outro
          Santo Antônio




          Todo mundo conhece de sobra Antônio de Pádua, como o santo casadouro, o restituidor das coisas perdidas.  Escrever, portanto, sobre esse Antônio é chover no molhado.  Mudo, pois, o rumo de minha prosa antonina para recordar o outro Santo Antônio de Pádua, o extraordinário pregador, o Doutor da Igreja..
          Descendente da "gloriosa estirpe" dos Bulhões, ele nasceu em Lisboa, no dia 15 de agosto de 1195. Seus pais, Martim de Bulhões e Maria Teresa Taveira Azevedo, deram-lhe, na pia batismal, o nome de Fernando Martim de Bulhões e Tavera Azevedo.
          Embora nascido na capital lusitana, Santo Antônio não é o padroeiro de Lisboa. O padroeiro dos lisboetas é São Vicente. Antônio é o padroeiro de Portugal. Por decisão de Pio XI, divide o título com Nossa Senhora da Conceição. Não conheço outro lugar com dois padroeiros.
          Desde muito cedo, o garoto Fernando de Bulhões dedicou-se ao estudo da Bíblia. Dominou de tal maneira os textos revelados que, pelo Papa Gregório IX, foi chamado de "Arca da Bíblia Sagrada". O bastante para que Pio XII, em 16 de janeiro de 1946, o incluísse entre os santos doutores, conferindo-lhe o diploma de Doutor Evangélico.
 
          Destacou-se como um erudito e exímio pregador, combatendo, com pertinácia, veemência e destemor os blasfemos do seu tempo. Foi por isso chamado por seus admiradores e seguidores de o "Martelo dos hereges". São célebres os seus Sermões, escritos no silêncio da sua  clausura.
          Primeiro, foi monge agostiniano. Porque queria ser missionário, Antônio trocou a Ordem de Santo Agostinho pela Ordem Franciscana.  Francisco de Assis o acolheu de braços abertos, e o incubiu, em carta pessoal, de expor aos irmãos de hábito "a sagrada teologia". Mas, advertiu-lhe Francisco: "de tal modo que em ti e nos outros não se extinga o espírito da santa oração, conforme a Regra que professamos. Adeus". Segundo a história, o Poverello chamava Antônio de Pádua de "meu bispo".
          Como eu disse, o sonho de Antônio era ser missionário, e na África. Chegou a pisar em terras africanas. Adoeceu, e teve que retornar a Portugal.  Na viagem de volta, ondas bravias levaram-no a desembarcar em Pádua. Nessa bela cidade italiana ele cumpriu sua missão de religioso, até o fim da vida. Daí, Antônio de Pádua. 
          São Francisco de Assis costumava pregar aos passarinhos. Ouviam-lhe as prédicas principalmente as cotovias, um pássaro que se assemelha a um frade franciscano: de cor marrom, tem um topete que mais parece um capuz seráfico. 
          Santo Antônio falou aos peixes. Sempre que posso, releio, com renovado prazer, o Sermão de Santo Antônio ou dos peixes pronunciado pelo padre Antônio Vieira, em São Luis do Maranhão, em 1654, considerado uma das obras-primas da literatura portuguesa.
          Porque ninguém queria ouvi-lo, Antônio, diz Vieira, "mudou somente o púlpito e o auditório, mas não desistiu da doutrina. Deixa as praças, vai-se às praias; deixa a terra, vai-se ao mar, e começa a dizer a altas vozes: Já que me não querem ouvir os homens, ouçam-me os peixes".  É uma homilia longa e linda! 
          Do seu currículo consta ainda ter sido ele oficial do Exército brasileiro. Em 1814, d. João VI assinou ato promovendo-o ao posto de Tenente-coronel, vencendo um razoável soldo de 80$000. Vantagem que lhe foi tirada pelo Presidente Hermes da Fonseca, logo após a proclamação da República.
          Quando estive em Pádua, demorei-me um bom tempo diante do relicário que guarda a língua do festejado taumaturgo lusitano. 
          Naquele instante, muitas indagações transitaram pela minha cabeça... A principal delas - e não podia ser outra - foi a de como eu estava usando minha língua.
          À Ivone - que, contrita, venerava o santo de sua devoção - eu segredei: muito mal, muito mal... deixando-a sem saber a razão daquela esquisita observação.
          Despedi-me de Pádua com o firme propósito de voltar, sempre ao apóstolo Tiago (Carta, 3 de 2-12) e lhe seguir os conselhos, quanto ao bom uso da língua. Tenho feito um enorme esforço, mas, infelizmente, ainda continuo pe-can-do, e muito, por palavras... Sou palavroso; sou linguarudo...
          No dia 13 de junho de 2008 faz 777 anos da morte de frei Antônio de Pádua. Morreu (hidropisia maligna) com, apenas, 36 anos de idade. Foi canonizado por Gregório IX em tempo recorde: menos de um ano após sua morte, ocorrida em Pádua no dia 13 de junho de 1231.
          É o santo mais conhecido e mais venerado no nosso Planeta. Perdendo somente para Maria de Nazaré, a mãe do Rabino.
          Não é, pois, de admirar que, em junho, nas igrejas e nos lares, sejam rezadas piedosas trezenas para louvá-lo e bendizê-lo.
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 01/06/2008
Reeditado em 11/02/2020
Código do texto: T1014523
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