A amizade não escolhe gênero
Desde os meus quatorze aninhos de idade eu trago comigo uma amizade que tem resistido ao tempo e aos obstáculos que teimam em tentar obstruir os caminhos. Não é uma amiga de batom, essa pessoa não usa salto, não fala sobre o encontro com aquele gato na noite passada, não me conta as últimas tendências da moda, não usa saia e não usa calcinha (acredito que não!).
Já passei por conversas desse tipo:
- Quem é a tua melhor amiga? Aquela pessoa em quem tu realmente confias e sabe que ela estará contigo, mesmo que esteja fisicamente distante? Fora pessoas da família...
- Leandro. Meu melhor amigo é o Leandro.
- Não. Estou falando melhor amiga, aquela pra quem se conta tudo e a quem se pode confiar qualquer tipo de segredo. Aquela que te entende e te respeita como mulher. Aquela pra quem tu podes dizer qualquer tipo de coisa.
- Sim. É o Leandro. Eu posso conversar de tudo com ele e eu sei que ele sempre estará lá por mim.
- Ah, mas homem quando dá uma de amigo assim é porque tem segundas intenções...
A minha amizade com o Leandro começou por acaso na escola, por causa de uma brincadeira que me deixou furiosa com ele. Depois disso, nós fomos nos aproximando e vivendo situações em que descobrimos que ali existia uma amizade forte, acima de qualquer outro tipo de interesse.
De todos os meus amigos e colegas ele era quem percebia minhas sutilezas, desde meus truques para conquistar aquele carinha da outra turma até as minhas chateações em família. Foi no ombro dele que eu chorei diversas vezes por ter visto meu amor com outra menina, foi pra ele que contei sobre a minha primeira vez, foi no ombro dele que sofri a morte do meu pai, foi pra ele que contei minha primeira crise no casamento e tenho certeza que ele será padrinho de um dos meus futuros filhos.
O Leandro, assim como eu, é casado e tem uma filha muito amada. E foi pra mim que a mulher dele ligou quando estiveram em crise, pedindo para que eu falasse com ele, pois ela não agüentava mais ficar separada do amor da vida dela. Ela dizia, ao telefone, que eu era a única pessoa a quem ele iria ouvir naquele momento. Eu senti um misto de felicidade e de medo. Fiquei feliz por saber que ele me considera tanto, mas morri de medo da responsabilidade de unir o casal. E se eu falhasse? Enfim, eu já tinha conversado com ele antes mesmo de receber a ligação dela. Eu já sabia que ele também estava sofrendo e sabia tudo que ele estava pensando. Foi fácil e rápido. Logo os dois já estavam juntos e felizes!
A ligação que eu tenho com o meu amigo é que me prova que a amizade não escolhe gênero. É possível cultivar uma grande amizade sem interesses sexuais, amorosos ou financeiros. A amizade que é real ultrapassa essas barreiras, cria uma proteção natural e resiste às pedras que algumas pessoas insistem em jogar no caminho.