Frio. Um dia triste e arrastado. Porque o céu cinzento sempre mexe com os sentimentos?
 
Ana. Sentada na poltrona, a televisão  ligada, pensamento longe e coração apertado. Saudades. 
Não conseguia lembrar dos momentos ruins, apenas das horas felizes partilhadas. Sentia-se uma idiota por ainda pensar com ciúmes se era outra boca que ele beijava naquele instante , trocando juras e doces palavras. 

Ilusões em poesia que a alma feminina ama ouvir. "'Eu te amo'' dito e repetido muitas vezes até virar parte do dia a dia e ser essencial. 
Como queria ouvir novamente aquele bom dia toda manhã e todas as ligações ao longo do dia.
O almoço ficava mais gostoso se ele desejava um bom apetite e a noite de sono era mais agradável após o costumeiro bons sonhos.
Os gatos enroscados no cobertor macio partilhando o calor e aconchego, o vazio maior da ausência teimando em não deixar os pensamentos. Tarde perfeita. Pra namorar e andar de mãos dadas. 
Fazer amor dormir abraçadinho, viver coisas de casal e dividir um chocolate. Mas ela estava sozinha, sentindo-se triste e feia.
 
Era bonita, inteligente, agradável e independente. 
Ser solteira aos quarenta e tantos, estava ficando pesado demais. Algumas amigas divorciadas, poucas casadas e outras tantas na fase garotão.  Bem melhor que a fase depressão. 
Sobreviventes haviam sugerido mil truques para sair do momento ''final de relação''. A maioria pregava que nada melhor que um novo amor para esquecer o velho.
 
 Segunda semana de fim de namoro. 
Já tinha saído com os colegas do escritório para beber as mágoas e falar mal do ex-namorado. Foi uma noite quase perfeita até o cantor do barzinho cantar Codinome Beija-Flor. 

Dez chopps e duas caipirinhas mais tarde estava abraçada ao vaso sanitário aos prantos. Vergonha completa e apoio irrestrito das melhores amigas. 

Naquela noite jurou que iria parar de beber. Mentiras.
O saco de pipocas no chão, o refrigerante pela metade, restos de um pote de sorvete de chocolate e os álbuns de fotos jogados em um canto. A casa era o museu da dor e desconsolo.

 Primeiro passo, ligar para o salão e marcar hora para uma geral. 
Ficar bonita sempre faz diferença especialmente quando o espelho denuncia o cabelo emaranhado, cara de viúva mexicana  e as unhas roídas. 

Parou de pensar que o telefone poderia tocar enquanto estivesse fora, não verificou pela décima vez se o celular estava carregado e por fim catou todas as barras de chocolates, doces e biscoitinhos para dar para os filhos do porteiro.

Arrancou as roupas de cama, tirou a fronha com cheiro do perfume dele e muito a contragosto atirou na máquina de lavar. 
Abriu as cortinas e janelas. 
A casa parecia agradecida, três semanas em luto fechado haviam deixado as pobres plantinhas murchas e amareladas.

Limpou as jardineiras, mexeu nas violetas, trocou a água do beija-flor que sempre aparecia por lá. 
Coitadinho, havia esquecido da ave enquanto se afogava no milk shake de morango e flocos. 

Escancarou as portas do armário e fez uma limpeza geral, selecionou roupas que traziam más lembranças e juntou em uma bolsa enorme para o próximo bazar na casa das amigas.
O dia da Troca  era uma grande bagunça na casa de uma delas com direito a lanche e muito bate boca.

O quarto grande e bem decorado trazia muitas lembranças, talvez fosse hora de mudar a cor das paredes. Três anos usando o tom lavanda pareceu tempo demais. Pensou em  um tom malva  refrescante e sorriu. Fazia planos outra vez.

Os gatos sentiram a mudança e ronronavam felizes pelas pernas de Ana. 
Ligou o som e pensou em cozinhar alguma coisa gostosa e chamar quem estivesse disponível para jantar. 

Solidão. Silêncio. Escuro e isolamento realmente não ajudavam em nada.

A banheira de água quentinha esperava com essência de jasmim. 

A brisa encheu a casa de vida. Um cheirinho gostoso vinha da cozinha, tempero e esperança.
Hora de seguir adiante, sem preocupações maiores que viver um dia de cada vez, da melhor maneira possível.
Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 31/05/2008
Reeditado em 22/07/2008
Código do texto: T1013554
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.