A FOTOGRAFIA


       Havia uma menina de quem eu não lembrava mais, que na minha memória era um foto de criança segurando um ursinho, olhos grandes e sérios, sérios até demais para quem estava fazendo aniversário, usava um lindo vestido azul claro, novinho em folha, e estava na  cidade vizinha para  tirar um foto no melhor fotógrafo, como sua mãe fazia questão, já que seus filhos eram pra ela como pra toda mãe coruja, a coisa mais linda do planeta. Ficara de olho cravado naquele brinquedo desde que entrara no estúdio onde uma senhora clara e de uma certa elegância, circulava naquele local fascinante cheio de luzes que se acendiam magicamente. Naquela época, estranhou a ausência do homem que dava nome ao estúdio. Aquela mulher não se cofigurava nos moldes das que conhecia mais de perto, a mãe, as tias, a avó, todas donas de casa.  
        Queriam que ela risse, não riu. Não estava triste, certamente, mas havia nela uma certa rejeição àqueles apelos para sorrisos de foto, talvez ela já adivinhasse que os adultos gostam de fazer de conta que são felizes, que aquele momento era só um momento e logo ela ia crescer e a vida não seria algo como um estúdio onde luzes se acendiam magicamente bastava um simples clic.
        Elas entenderam seus olhares para o ursinho. Percebeu que aquele embaraço causado por uma criança que não correspondia às expectativas de duas mulheres muito mobilizadas naquela tarefa de retratá-la, finalmente acabava em sorrisos e movimentos rápidos em direção do que parecia ser a salvação do mundo. O contato com o pêlo macio daquele brinquedo também ausente da realidade de meninas que ganhavam bonecas como ela, causou uma sensação de estar em um mundo novo, onde crianças seguravam seres sem sexo definido como aquele ursinho marrom. E estando nos seus braços fez com que se sentisse amparada e segura naquela sala tão esquisista, cuja memória lhe traz como um tanto fria e sem referências acolhedoras.
        Finalmente a foto saiu. Mas sem sorrisos. No que estaria ela pensando ou nem pensaria, ou estava ainda tentando decifrar esta nova realidade, um tanto mágica, que lhe apontava para algo muito diferente de sua casa antiga, de uma simplicidade espartana onde ainda se vivia como em décadas passadas. Fora assim jogada a um futuro que sua mente quase intacta de experiências custava um pouco a assimilar. 
         E lá fcou pra sempre aquele flagrante de mim,  estampado em papel bom, tanto que está perfeito até hoje. E eu gosto mesmo de um colo,  e  nem lembrava mais  disso, já faz uma eternidade. Você está me fazendo voltar a momentos guardados e muito vivos no esconderijo da memória. Resgatar algo que ficou bloqueado em  tenra  idade,um esquecimento compulsório   imposto por convenções e  catecismos. 
Ah... nada como um  caloroso colo... Ganhar um  é ser aconchegado a alguém, é ser recebido na intimidade desta pessoa,é ser amado, é uma tarde morna e um incondicional estar vivo sem porquês.  
         Você falando assim, me faz sentir querida por uma espécie de pai-amante, o mais proibido dos homens que ficou lá nos meus cinco anos, e que está vindo à tona. E sem culpa. Ah, uma pena eu não ter feito isso há mais tempo...
tania orsi vargas
Enviado por tania orsi vargas em 31/05/2008
Reeditado em 02/06/2008
Código do texto: T1013281
Classificação de conteúdo: seguro