AO MEU BURACO COM CARINHO

Eu não nasci com ele, ele foi fruto das minhas atividades, apareceu muito depois que entrei num magazine e comprei um par de sapatos.

Na época estava trabalhando e mesmo nunca ganhando perto do suficiente, era um tempo bom que não voltará jamais, tinha menos de quarenta anos, e ainda era admissível no mercado de trabalho brasileiro.

Na mesma época mental e espiritualmente também não estava preparado para ver, e se via não enxergava, o Brasil do gigante adormecido ainda tinha a Amazônia Legal, se havia descriminação Racial ainda não era importada, Nas músicas de protestos e rebeldia, havia muita ingenuidade e singeleza e mais principalmente nas de romances dos jovens. Lógico que nem tudo era um “Rio de Leite” mas mesmo assim meus olhos não viam muito além, estavam como hoje estão milhões de brasileiros indiferentes e eqüidistantes da realidade entre o que se noticia na TV aberta e jornais, emissoras de rádio e a realidade verdadeira de toda uma gama de atividades subterrâneas no mundo político brasileiro. Sem contar as outras diversas e milhares de áreas.

Fui acordado para o mundo da política comunitária por uma deficiência no sistema educacional de minha comunidade, ao encarar o fato que não teríamos nem a mísera escola em um galpão de um centro comunitário depredado, por desinteresse dos governantes e, incrível para mim, desinteresse da própria comunidade, desorganizada, desligada e desorientada além de claro, desunida. Acordei como que uma criança de um sonho para o pesadelo de um assalto ou desastre real.

Aí começou a nascer o meu buraco

Ele testemunhou o que significa Voluntariado no Brasil nordestino.

Depois de conseguir segurar a Escola no seu lugar e de conseguir que funcionasse, apareceram as demais deficiências de minha comunidade, Transporte, pavimentação, lixo, Saúde e a precariedade sanitária, lazer inexistente, Educação séria, Segurança que fugiu da comunidade por... Falta de água, podes crer!!!! É isto aí, nem água nós tínhamos.

Lógico que eu encarando aquilo, reestruturando a Associação, chamando político em campanha (sempre estão), entrando em entendimentos com os órgãos responsáveis por cada setor carente, eu logo fui eleito Presidente da Associação, e em três meses conseguimos o que nem a comunidade, nem os políticos fizeram: Regularizamos a Água, foi edificado posto de saúde, feito calçamento do corredor de transporte, feito asfalto da ligação do bairro e por aí vai, isso durou seis anos.

Neste período tomamos, eu e meu buraco, chás de cadeiras, nas ante-salas de gabinetes de funcionários graduados como Secretário Estaduais e Municipais, de Políticos influentes, até da imprensa procurada para denuncias. E o pior era as cobranças da população que em dez anos nada via acontecer e que agora despertava para uma coisa que deveria fazer com quem vota, elege e ganha para isso: os parlamentares, mas eles são “Pés de cobra” então só tem tu e “tu” era eu.

Não podia pegar ônibus, andar pelo conjunto, tomar uma cervejinha que era cobrado, não podia comprar um ferro de passar que era fruto de alguma tramóia, isso e as coisas acontecendo. Casas que eram negociadas por até mil reais, agora tinham seu valor quinhentificado. Escola nova foi construída, até o campo de pelada foi telado e salvaguardado por uma Liga esportiva, Jornal foi impresso e rádio comunitária funcionava, havia até festas comemorativa de aniversário da comunidade.

Isso custava transporte e alimentação, que eu não tinha, desempregado ninguém olhava para tal situação, o meu buraco apelava insistentemente, ao invés de gastares solado tentando resolver problemas comunitários porque não os gasta tentando sustentar tua família, arranjando um emprego decente com um desses políticos aí, já que ninguém quer um quarentão por mais experiente que seja, aqui neste Brasil, mais amarelo insistia o buraco, que verde, amarelo da fome que tira as forças para indignação?

E Eu continuava a gastar o tal sapato de áureos tempos, e o germe não me largava, não podia ver situações que me indignava ou que pedia uma arrumação que eu lá ia bandeira em punho, buscar soluções, requerer, reivindicar.

Ao fim de tudo ainda se perguntava os não voluntários, povo desligado por opção própria:

- Se nada ganhas, se estás desempregado e tens família, se estás passando até necessidades, responde porque queres ainda continuar “sendo presidente?” e continuava, ta na cara que leva algum mano, ninguém é tão besta assim, tas ganhando por fora, nas maracutaias e fazes maquiagem pra gente não notar.

Eu respondia incondicionalmente: Estou ganhando sim mano, minha família também sabes a Escola que meus filhos (três) não ia ter como estudar? Agora é uma escola nova, grande, equipada, bonita de se ver, estão lá junto com os seus.

Sabe por que sua casa não tinha valor algum mano? Porque, apesar de tudo ai8nda não estar nos conformes, agora temos água regularmente, temos estrada de ligação, corredor de transportes, rodoviária, posto de saúde, PM/BOX, uma associação que funciona, até rádio e jornal, campo de futebol com vestuário e telado, o transporte coletivo já está mais correto, é parece com uma comunidade que todo mundo quer morar e suas casas se valorizaram absurdamente. Eis os porquês, continuo o mesmo, mas tive grandes ganhos só que estes ganhos não foram egoisticamente só meus, foram de todos nós. Essa é a minha maracutaia mano.

Hoje meu buraco pediu arrêgo, depois de oito anos ele arrebentou.

Não consegui mais falar com ele e minha última conversa tratou do mesmo tema, Meu buraco achava que eu era um baita de um otário, sozinho na praia, tentando apagar um incêndio correndo com uma colher de água, falei pra ele:

- Né assim mesmo não, é que você daí de baixo não percebe o que vejo aqui por cima, talvez os brasileiros que aceitam as palavras de palanque do “Nunca na história deste País” acorde, mas não será todos de uma vez, e o melhor já estavam acordando antes, são muitos poucos agora está se tornando muito mais o menos. Fiz a minha parte numa pequenina colher de chá para o mar do Brasil que somos. Mas que o maracuteiros de plantão se preparem que muitos líderes comunitários civis estão brotando por aí, todo santo dia mano, andando a pé ou de coletivo, pastinha com sonhos em papel debaixo dos braços, sentados quietinhos em ante-salas de políticos e administradores públicos, ou nas praças em grupo pedindo prestações de contas, ou ainda mais nos conselhos municipais e estaduais lutando para tirar destes conselhos os cabeças de largatixas e se colocarem espadas em riste na luta diária de formiguinhas pelo melhor meio de vida e convivência, pela qualidade dos serviços públicos, da Educação, Saúde, Segurança, transporte e lazer além de outras reivindicações, é melhor se prepararem, porque buracos que nem Você meu grande companheiro de lutas, estão nascendo todos os dias nos sapatos surrados deles... quer dizer .... nossos.

JOSÉ TORQUATO DE BARROS FILHO EX-FUTURO-ETERNO AGENTE COMUNITÁRIO CIVIL.