Gesto de mestre-sala
“Quem trabalha é que tem razão...”
Noel Rosa
A carroça seguia em frente tendo adiante um homem que esperava passar na faixa de segurança.
Era uma carroça de madeira velha com rodas feitas de pneus gastos. O carroceiro segurava as rédeas como se ajustasse o peso dos tijolos com o temperamento do cavalo. Estava adiantado para frear e o transeunte poderia atender ao chamado da faixa de segurança desenhada com listras brancas. Poderia ocorrer um desastre terrível caso o anseio do homem fosse de atravessar e a vontade do cavalo de prosseguir. Porém a rua estava calma. O que aconteceria? Ele seria preso por homicídio doloso. Num lance de espírito o transeunte fez um gesto inusitado de cortesia para que a carroça passasse livremente. Mesmo desconsiderando a faixa de segurança.
Quem seria o sujeito? Refletiu o carroceiro com a consciência pesada, pois havia lhe cortado à frente. Parar uma carroça depende da força motora do cavalo. As rédeas nem sempre freiam o animal desembestado. Estaria o homem na condição de errado ao lhe abrir passagem quando sabia ser a sua vez de passar? Desconheceu a lei, mas apreciava o caminho reto. Sequer lhe passava pela cabeça que aquele gesto educado fosse mal visto em considerações finais. Era ele quem havia colocado a carroça na frente dos burros. Ele não, o cavalo. O cavalo ou ele? Estava atrapalhado. O prejuízo nem sempre se calcula por antecipação. E se o passante seguisse adiante? Talvez sobrrasse tempo para puxar a rédea com êxito. Tudo estaria no campo da normalidade. A faixa de segurança seria respeitada. Acabou por se convencer de que tudo não passara de engano trivial. Mas como desconsiderar a delicadeza num momento de interseção? Havia um modo senhorial de autoridade no desconhecido e ele havia obedecido ao seu comando.
Teria sido presunçoso ou inteligente? Acrescentou imaginariamente bicicletas para apoiar o raciocínio. Algumas passam voando e ninguém liga. Tristemente alguns veículos fazem à mesma coisa. Ampliando o prazo dos seus passos o homem cedera ao movimento desconsiderando o significado de um conjunto de linhas. De certo compreendera o quanto àquela fileira de linhas brancas (melhor se fossem verdes) para o cavalo nada significavam.
Estava acertado de que o homem havia pensado em si diante do cavalo. Fixado na direção ele poderia ser fraco na sujeição do bicho. Com a carroça vazia seria diferente. Os tijolos sobre o instinto indicavam a necessidade da desobrigação rápida para diminuição do esforço. Realmente talvez o animal não cedesse. Quem havia errado? A urbanidade do gesto apresentava o limite de tempo certo para aceitação de um acordo rápido. Acordo gestual. Cortesia sobre a faixa de segurança. Talvez se fosse com fusca tudo seria diferente indo parar de acordo com as regras. Mas era uma carroça com tijolos. Depois ficou admirado com o movimento de mestre-sala do cidadão feito com grande alegria para que avançasse e chegasse cedo ao canteiro de obras.