O Passageiro

“Eu sou o passageiro

Eu rodo sem parar

Eu rodo pelos subúrbios escuros

Eu vejo estrelas saindo no céu

É o claro e o vazio do céu

Mas essa noite tudo soa tão bem”

Meu carro é meu cúmplice, meu amigo, meu parceiro e meu amante nas noites em que saio sozinha com ele. Coloco um dos meus CDs de MP3 para tocar e sigo sem rumo. É o silêncio do carro testemunhando uma conversa que acontece em dois níveis: interno e externo.

É nessas conversas que eu falo comigo, que eu me questiono, que eu me elogio, que eu discuto comigo e que eu me consolo. São diálogos em tom leve, suave, silencioso e tranqüilo. Quando o assunto é assim, tão meu, as vozes são internas e deslizam sobre mim com facilidade, me banhando de sutilezas. É nesses encontros que me sinto minha, que me conheço, que me abordo, que me faço ser mais eu. Meu carro fica quietinho. Ele só me leva. Ele me serve e me conduz com gentileza e me agüenta nos piores dias e me festeja nos melhores.

E as conversas acontecem com o mundo exterior também. Sim, o que está à volta fala comigo, grita, me chama, me acusa e me seduz. O que está ali, parado, me olhando enquanto eu passo se dirige a mim. Eu vejo pessoas, vejo cenas e vejo sutilezas mil. Eu vejo objetos, prédios, céu e estrelas. Algumas coisas me emocionam, outras me chocam, outras me apontam o dedo e outras me pegam no colo. Todas elas me fazem me pensar, todas elas me ensinam, toda elas me acrescentam algo de bom.

“Ele olha pela janela

E o que ele vê

Ele vê sinais no céu

E ele vê as estrelas que saem

E ele vê a cidade em trapos

E ele vê o caminho do mar

E tudo isso foi feito pra mim e você

Tudo isso foi feito pra mim e você

Simplesmente pertence a mim e você

Então vamos rodar e ver o que é meu”

E o meu carro me protege das agressões. Quando essas cenas, pessoas e coisas querem me atingir, meu carro me defende. Ele só não consegue me defender de mim. Quando eu me descubro e não gosto, ele fica quietinho e não se manifesta. Mas ele sabe que fazemos as pazes no final do passeio. Eu e eu. No fim a gente se entende e no fundo eu gosto e desgosto. Ninguém é perfeito. E o que será que o próximo trajeto vai me mostrar? Sempre haverá um próximo. Eu não posso ficar sem esses encontros.

“Eu sou o passageiro

Eu rodo sem parar

Eu sou o passageiro

Eu rodo sem parar

Eu sou o passageiro...”

•O passageiro- Capital Inicial.

Raquel Corrêa
Enviado por Raquel Corrêa em 29/05/2008
Código do texto: T1010479
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