PROFESSORA ROSA: NÃO ZERO, MAS MEIO
No quinto ano estamos todos ansiosos: temos a entrega e a apresentação da monografia, estágios, conclusão das horas de atividades complementares, os cursos de ética e, por fim, as provas e os trabalhos de graduação. Sem esquecer aqueles que trabalham em tempo integral para subvencionar o próprio pão (assim como o aluguel, as mensalidades da faculdade, as roupas e tudo o mais) e precisam conciliar o seu tempo com as tarefas elencadas, todas obrigatórias.
A professora Rosa Pelicani, advogada, mãe orgulhosa de um filho que foi excelente aluno, atualmente magistrado, é professora de processo civil. Notável professora, ministra suas aulas com método, de forma didática e eficiente. No entanto, é também conhecida pelo rigor com que aplica as suas provas.
Outro dia, durante a aula, uma vez que estivéssemos adiantados em relação às outras turmas, nossa professora abriu um espaço para o diálogo.
Márcio, nosso colega (que diga-se, às vezes é bastante atrevido, senão impertinente com os professores), não perdeu a oportunidade, e o colóquio que tiveram foi interessante.
Perguntada sobre a matéria que cairá nas provas, afirmou a professora que no primeiro semestre serão abrangidas as cautelares e no segundo, as ações especiais. Dessa forma, as últimas provas do primeiro e do segundo semestres poderiam questionar todas as ações referenciadas, dentro do período. No exame constará apenas uma questão, sobre um único procedimento, sobre o qual haveremos de dissertar acerca de tudo o que foi ensinado durante o ano, dentro da pertinência do tema.
Nossa classe, segundo uma aluna que assiste conosco as aulas, na qualidade de dependente na matéria, tem vinte alunos em dependência, de uma classe que teria aprovado apenas quatro colegas. As contas são inverossímeis, uma vez que a classe deveria ter muito mais do que vinte e quatro alunos.
Advogados não costumam ser bons em cálculos, mas o exagero é imenso. De toda forma, o folclore cresce. E a ansiedade é alavancada pelos boatos, em escala geométrica. Não por menos: uma dependência no quinto ano significa que, por mais que estude e seja ótimo aluno, durante todo o curso, se o estudante não lograr êxito em apenas uma matéria, no ano fatídico, não colará grau. E esse insucesso pode estar vinculado a apenas meio ponto.
O Márcio perguntou se nossa professora já fez uma estatística de quantos alunos repetem a sua matéria.
A professora, em resposta, afirma que houve ano em que o índice de reprovação foi de quarenta por cento. Mas que o ano passado foi um dos menores, haja vista que em uma classe da manhã ninguém teria ficado de dependência.
O interrogatório continua e a professora, pacientemente, reporta-se a alguns casos excêntricos. Dos citados, destaca-se o de um aluno que, no exame, não sabendo absolutamente nada sobre a ação, afirma isso na prova, passando então a discorrer, por linhas e linhas, sobre um procedimento sobre o qual tinha o domínio. Como pode o aluno escolher a questão?
Nosso colega pergunta: “e a senhora deu zero?”
Zero seria a resposta natural, uma vez que ao aluno não cabe, para professor algum, formular a pergunta da própria prova. Jamais conheci professor que aceitasse, se a pergunta é "o que é A", que o aluno simplesmente respondesse "não sei o que é A, mas conheço tudo de B".
A professora Rosa reflete e lembra de um caso acontecido há anos. Certo rapaz recebera zero no exame e sua mãe fora à faculdade reclamar com ela.
Desde o acontecido, ela jamais, nas avaliações, premiou qualquer aluno com a nota zero, mas meio.
Fico-me a imaginar o aluno, no quinto ano de Direito, às vésperas de prestar um exame da OAB, de litigar em juízo, proferir palestras, orientar clientes, confrontar-se com outros advogados, peticionar com magistrados e sustentar oralmente, em tribunais, ao saber que a sua mãe fora defrontar-se com a mestra. Lamentável!
Como ele a olharia - a sua professora - no ano seguinte: o sexto ano? Isto se não tiver sido pela influência do próprio filho que a mãe defendeu a causa.
A lição foi tão importante que a nossa professora Rosa, que ensina procedimentos, alterou para sempre o próprio, em um aprendizado de flexibilidade e condescendência, por respeito ao aluno. Respeito que talvez mesmo o rapaz não tivesse por si próprio.
Por conclusão, entendo que a mãe do aluno devesse estudar Direito: ela seria brilhante!
Maria da Glória Perez Delgado Sanches
Membro Correspondente da ACLAC – Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de Arraial do Cabo, RJ.
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