O ANJO DA GUARDA
O ANJO DA GUARDA
DONATO RAMOS
do livro FOLHAS SOLTAS
O anjo da guarda, molhado à força pelo vento sul de Florianópolis disse “até logo” e deu no pé. A cidade ficou sem o seu anjo da guarda, mas mesmo sem ele o povo da ilha tem o mesmo pensamento: reciprocidade, humor bastante acentuado em suas veias, destino de sofrer com um sorriso nos lábios. Êta, povo bom! Ninguém estrila! Pode ver a maior das barbaridades e, se se abala, é por dentro. Ninguém nota.
Uma estrangeirinha - italiana, se não me engano - passava alguns dias na capital catarinense, na casa do Mauro Amorim, homem das letras e das artes.
E o Mauro a dizer:
- Isto é que é terra, menina! (Tomara que não haja vento sul hoje, pensava ele). Isto é que é lugar sossegado, gostoso, de gente bem educada...
- Ah! Já notei - dizia em italiano, que o Mario, lógico, entendia - todos são tão amáveis... É tão bom viver longe de opressões políticas, militares e uma porção de coisas mais que têm lá no meu país... Lá a gente não pode fazer nada!
- Pois é, aí está a vantagem da nossa Democracia. Escute: você já notou a beleza do mar, agora à noite...?(Agora, sim, a conversa vai pro ponto que o Mauro mais entende - a poesia!). Chamaram mais dois casais, prá não pegar mal. Botaram o jipe em funcionamento e desceram algumas quadras em direção ao mar. A italianinha iria ver o mais belo espetáculo da noite. E apreciaram a beleza da natureza que Deus deu à mais bela ilha que o mar contém.
- Lá na Itália a gente não pode nem sonhar com uma liberdade igual a esta. Agora tem melhorado um pouco mas de vez em quando a gente passa uns apuros...
TOC-TOC-TOC... Passos pesados. (Como é que a gente escreve dando a impressão de passos pesados?). Toc-toc-toc... parece muleta... Bem, eram passos pesados, o que interessa.
- Como é bom, continuava a italianinha - falando mais que o homem da cobra - a gente viver num país tão calmo, tão gostoso, tão lindo, com gente como esta...
Toc-toc-toc... era de botas.
- E você precisa ver, dizia o Amorim, a lhaneza de trato dos nossos policiais depois que o general nomeou um coronel que sabe mandar mesmo! De cabo prá cima tem que fazer curso intensivo de relações públicas e humanas no Senac...
Toc-toc-toc... Parou. Era um sargento-.
- Ô meu chapa... - é o sargento quem fala, como vocês já puderam ter notado - o do toc-toc - Tu não manjas qui já é hora de se mandar,istupor? Ou vocês dão o pira ou engaiolo todo mundo. Vão fazê fofoca na cama. Já ta na hora de dormir.
- Que é que ele está dizendo - perguntava em italiano a mocinha.
- Bem... ele está dizendo que é bom irmos embora porque daqui há pouco começa a aparecer mau elemento por aqui e nós, como gente decente que somos, podemos nos incomodar...
- E o quê mais...?
- Bem... ele disse que a polícia é para proteger as pessoas decentes como nós. Mas é bom não abusarmos dos maus elementos...
- Ah! Que rapaz educado! Bem que você disse. Se na Itália fosse assim...