O CIPRESTE NÃO CHORA
O CIPRESTE NÃO CHORA
DONATO RAMOS
do livro FOLHAS SOLTAS
Para Dr. Mário Gentil Costa (Ateu, graças a Deus, como diria o gênio)
O portão... O cipreste... A cidade muda... Os corredores...
O cipreste está vestido de um verde escuro (tão usado por quem é poeta...) numa eterna mudez, contemplativo.
Olha lá longe e além do muro e vê o mundo dos vivos e dos mortos.
O cipreste é soberbo. É altaneiro, erguido no espaço. Parece sentir na alma esvoaçante de seus galhos que vêem tantos mortos, a prece de beijo que morreu na boca. Mansamente o sino tange e o cipreste verga. São as vozes dos mudos que o cipreste verga... que o cipreste ouve. Somente ele o consegue.
Vozes nostálgicas das igrejas brancas de todas as cidades no carrilhão da sua memória permanecem.
Ouve até o som esquisito das estrelas...
Pode soprar o vento... gritar a tempestade... ele quase não verga nem balança.
Ostenta na majestade de seus gestos a indiferença de quem não chora, de quem não sente.
É a sentinela da paz do cemitério.
É o cipreste da porta de entrada, que guarda em si os segredos dos anos, das lágrimas furtivas, do engano cruel da vida e da morte.
É o cipreste que não chora, nem geme.
É o indiferente que não se cansou de ver passar os que não voltam mais...
É o verde-escuro, ereto, firme.
É o que não chora como nós.
É o mistério do tudo ou nada que contém a vida.
Que contém a morte.
É o cipreste que não sabe chorar.