INSIGNIFIQUE-SE ! - Berenice Heringer

(Programa do Gasparetto: mulher de 36 anos, já teve três maridos, quatro filhos, o mais velho com vinte anos de idade.)

A alma é que nos faz companhia, é que nos dá alegria. Todos vão embora e nós ficamos sós com nós mesmos. As pessoas têm o direito de não gostar de nós. Assim como nós nos afastamos deles, os outros também se afastam de nós. A alma é que nos preenche, nos faz sentir íntegros e completos. A alma pode ficar despedaçada no chão...É preciso juntar as partes, reintegrá-la, acolhê-la e embalá-la. Nada nem ninguém pode nos preencher. Nem filho, nem pai, nem marido. Na situação de muita dor, muito trauma, nossa alminha se desintegra no átimo, dissolve-se no inespaço do éter. Evanescente, frágil e dócil substância, que não é. É só essência e imanência...

Como fazer a reciclagem da Alma? Serenar, meditar, relaxar e buscar...Recolher os retalhos e reemendá-los, dando-lhe novo significado para nós. Porque a essência é irretorquível. A medida material não pode aferir o inefável. Minha pequenina alma cabisbaixa, perdida por ir se fragilizando, se esgarçando nos embates, escondida debaixo de um armário escuro, num quarto sombrio de camas altas aos dois anos de idade. Picumãs e fuligens. Escuridão e desamparo. Fiapos emaranhados esmaecidos nos liames da delicada tessitura em filigrana...

Desdéns, descasos, desavisagens. Desencontros, dessintonias, desarmonias. Atonias, nostalgias e melancolia. Destramaduras nas urdiduras nos teares moleculares emotivos.

Um relicário acolchoado deve ser ultimado para a recepção depois da busca e recaptura. E o desarmamento da resistência. Deposição de animosidades. Aconchego e proteção.

O que é um Signo? Sinal, símbolo, marca, essência da linguagem, assinar, assinalar, marcar e firmar com sinal. Nas derivações desse substantivo temos uma lista com mais de trinta vocábulos. Os mais interessantes são: insigne, persignar e sino. E sina é sorte, destino. Nossa alma é nossa insígnia, flâmula, monograma, bandeira, brasão. Por isso as pessoas são tão diferentes entre si, mesmo os irmãos, filhos dos mesmos pais, até os gêmeos univitelinos, cada qual com sua alminha, mesmo que o DNA seja igual, nascidos sob o mesmo signo zodiacal, ponto de partida que os astrólogos utilizam para fazer seus mapas.

Camões já sabia disso no século XVII e há em sua obra epopéica o cacófato mais famoso do nosso idioma, esta Língua que Bilac chamou de inculta e bela. Há o início de um poema em Os Lusíadas assim: Alma minha gentil que te partistes... Partir de despedaçar-se e também de ir embora. Como é que a Alma pode partir para o além-mar, além-céu, além-Tejo sem ficar dividida? Almaminha... Alminha que se aninha no peito, minh'alma que permite o apóstrofo, o acróstico, o diagnóstico da saudade, do banzo, da nostalgia do todo, pois um pedaço se apartou e houve a subtração, a descida para os porões da lamúria, da lástima, das lamentações. Que se insignifiquem as divisões do ego nas mesquinharias do dia-a-dia, culpas, desmerecimentos, e que a ALMA se recomponha e nos reintegre ao TODO.

Minha mãe! Onde estás

Que nunca me apareces?

Só penso em coisas más

Apesar das minhas preces...

Esta crônica é dedicada a Luiz Gasparetto e aos telespectadores do Programa Encontro Marcado da RedeTV!

Vila Velha, 23 de maio de 2008.

Berenice Heringer
Enviado por Berenice Heringer em 28/05/2008
Código do texto: T1008906