RETRATO ANTIGO
Em outra perspectiva. A imagem se abriu como se projetada pelo olhar. Em primeiro plano, as cabeças de meus avós maternos emolduradas pelo argento dos anos. No segundo, a geração sucessiva, filhos, genros, nora e a namorada do tio caçula. No terceiro, uma lente dispersa costura os arroubos dos romances adolescentes dos netos mais velhos com as travessuras infantis dos mais novos entre a escada íngreme da casa e o balanço no pátio do lado dos pneus do tio.
Éramos vinte um. Mas confesso que de alguns só guardo detalhes: o cabelo curto da acompanhante do primo, o ar de bom moço do noivo da prima, os tamancos da namorada do tio... Detalhes que foram substituídos com o tempo ou separados pelas contingências do amor ou da maturidade. Havia também o caso misterioso da prima mais velha, porém, ele não era uma presença, era apenas um pressentimento a sussurrar pelos cantos.
O avô era de poucas palavras. Quase não as escutava. Seu silêncio gerava ordem. Foi o primeiro a se despedir. Quando sentiu que não haveria mais palavras, desabafou a ternura e um segredo que tive de guardar até o fim do regime: era comunista.
O tio militar era o mais sorridente. Estranhamento era o filho mais velho e professor de matemática. Lembro com alegria quando ele me deu uma coleção de livros de matemática da 5ª a 8ª série para professores usada na Escola Militar. Também partiu cedo. De repente, deixou no quadro-negro algumas operações sem resultado. Tentei copiar os gabaritos, mas para algumas questões não existem respostas.
A avó gostava de plantas e imagens. Havia um pequeno altar, sempre com velas acesas, no alto da escada. Nunca falamos sobre isto. Eu fingia que não via, mas discretamente pedia licença aos santos. Nunca se sabe. Tenho a impressão de que ela transitava nos dois mundos: semeava a terra e colhia o céu... Também partiu...
De repente, a perspectiva muda como um sobressalto. Caminho na sala muito branca e vazia. Sento entre as poltronas dos avós e observo. Tento reencontrar a família. Há ainda o retrato pendurado. A imagem se torna estreita, resume-se à fresta da porta: a samambaia esparramada sobre o piso vermelho do pátio... Sinto-me intrusa. Quem me autorizou a sair do retrato, crescer e reentrar no tempo? Não tenho chaves... O passado está encerrado numa sala de janelas e portas abertas.
Cada um tomou seu rumo... Cada um partiu com um retrato subjetivo. Uma perspectiva do grupo, da escada, do pátio, dos pneus... Uma origem e tantos destinos. Talvez alguém tenha guardado os ecos do silêncio do avô, as estátuas sagradas da avó, os meus livros de matemática ou o murmurinho das gerações.
Acordo entre lágrimas. Como se o despertar descerrasse o luto entre noites. Minha avó faleceu recentemente e eu já não me lembrava da última vez que a havia visto ou de alguma palavra que revelasse a despedida. Recebi um telefonema com a notícia numa manhã de domingo. Um adeus à distância, uma oração lançada no altar da memória e o sentir, na pele do retrato sépia, do acariciar do tempo.