MONTEVIDEO NO "DIA DA MAMÁ"

O aeroporto Carrasco, em Montevideo, fica a mais ou menos trinta minutos do centro num constante e deslumbrante trajeto pelo litoral movimentado. Ao sairmos de lá, o sol já morrendo lentamente sobre o Mar del Plata e proporcionando uma visão imorredoura, arregalamos os olhos para as primeiras imagens uruguaias. Passamos por cassinos cheios de luzes em seus frontispícios, por hotéis à beira-mar, por restaurantes com fachadas luminosas, por edifícios residenciais, abraçando Montevideo com nossa ansiedade inebriada e respirando seu ar frio de pouco mais de seis graus positivos e nos deixando levar pela imaginação galopante. O motorista do traslado, Martin, jovem bem humorado, usando óculos, já meio careca, tinha um sotaque carregado, quase incompreensível, mas ainda assim conseguimos nos entender razoavelmente com o meu portunhol arrevezado. Ele nos comunicou que o passeio até Punta Del Este seria no dia seguinte, às oito horas, e o city tour no outro dia, à tarde. Porém, se quiséssemos poderíamos alterar esses roteiros trocando um pelo outro. Optamos pela troca dos passeios, afinal queríamos passar a manhã explorando a capital do Uruguai antes de ser ciceroneados por algum guia metido.
Muitos semáforos e quilômetros depois, lançando olhares de um lado para o outro do cenário exposto à nossa curiosidade, finalmente chegamos ao hotel Sheraton localizado no cruzamento da 18 de julho com a San Jose. Lindo, enorme, luxuoso, perto de toda movimentação noturna de Montevideo, pelo menos as mais clássicas, nosso hotel nos acolheu com a perna esquerda. Explico: fizemos o entendiante chek in mostrando passaportes, vouches, bagagem, o escambau, sendo levados a seguir para nosso apartamento, o 608, no sexto andar, logo descobrindo, alarmados, que tínhamos sido colocados no andar dos fumantes. Logo eu, que odeio cigarros com todas as minhas entranhas! Fiz o maior auê até que, por fim, nos colocaram num andar onde podíamos respirar melhor, sem nicotina. Assim, nos alojamos, tomamos banho e nos vestimos para o jantar. Meu casaco de couro comprado em Buenos Aires veio bem a calhar na gélida temperatura soprada em meu rosto. Logo descobrimos, eu e minha esposa, andando pelas ruas em busca de um restaurante decente, que em Montevideo as pessoas também fumam feito caiporas. Parecia termos regressado para o ambiente empestado de Buenos Aires novamente, que chatice! Bom, pelo menos no interior do restaurante era proibido fumar, graças a Deus. De modos que nossa primeira noite em Montevideo foi quase semelhante à passada em Buenos Aires, tanto pela identidade do idioma espanhol quanto pelo fumaceiro dos cigarros pendurados nos lábios de práticamente toda população uruguaia, pelo menos dos que desfilavam pelos barzinhos, pizzarias, restaurantes, lojas ainda abertas, cafeterias, ruas e avenidas. Por todos os cantos víamos faixas, outdoors e cartazes convidando todos para presentear a "mamá". O dia da "mamá" deixava febril os lojistas, todos querendo vender o máximo possível para lucrar muito com os sentimentos das pessoas, fazendo desse dia não um ato de ternura mas um dia de fartura para eles.
O hotel Sheraton estava lotado com gente esquisita de vários países, numa estonteante babel de linguagem parecendo música tocada por algum conjunto desafinado. Acontecia no salão de eventos um convenção de médicos e eles desfilavam pelo interior do hotel com suas pranchetas e sorrisos melífluos como tigres de bengala num zoológico; executivos de determinada empresa multinacional se aboletavam nas poltronas fofas trocando idéias e números, sorriso de orelha a orelha, secretárias rebofulosas zanzando em meio a eles. Tudo isso exibiu-se diante de nossos olhos quando voltamos ao hotel pensando no merecido repouso com vistas ao corre-corre que se avizinhava com a programação do city tour para o dia seguinte.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 26/05/2008
Reeditado em 26/05/2008
Código do texto: T1005499
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