A VOZ DAS DIFERENÇAS ANÔNIMAS...

Ainda a pouco, eu tentava enfrentar o tumulto de trânsito lá pelas imediações da "paulista alegre".

São Paulo sempre "ferve à noite", mas hoje a festa era mais do que justificada, afinal, são as lutas sociais pela igualdade das condições que fazem do mundo um lugar mais justo...ou ao menos tentam.

Mas ia eu pensando pelo caminho o que aqui descrevo, quando me deparei com um tema mais que antigo , já tão debatido até pelas minhas crônicas.

Falo dos semáforos das desigualdades...

Recentemente dizia que me impressiono em ver a logística organizacional de quem "trabalha" nos faróis, a rapidez com que esses trabalhadores se organizam pelas ruas...para garantir o seu sustento.

E hoje, uma criança de CINCO anos, colocava aquelas balinhas nos retrovisores dos automóveis...para que tão logo as recolhesse, ou a elas ou ao dinheiro daqueles tantos potenciais compradores.

Só que tão tenra idade não é tempo suficiente para se calcular com perfeição o tempo que um farol ficará fechado,esperando que o sustento se concretize pelo asfalto.

Comecei a me inquietar quando percebi que o semáforo se abriria, antes que o garoto recolhesse as suas balinhas...

E não deu outra!

Nem o tempo...e nem a cidade o esperou.

O semáforo abriu...e lá se foram as balinhas do menino, algumas caídas ao chão, outras equilibradas sobre os automóveis.

Foi então que me angustiei e me veio tal crônica à mente...

Quantas diferenças anônimas que jamais chegam nas passeatas da Paulista!

E eu não estou aqui para dizer o porquê...posto que nem o saberia...

Mas talvez eu arrisque um palpite: uma criança no farol da cidade, pela noite, aos cinco anos "trabalhando" -como eles costumam nos dizer- não movimenta a economia, nem a imprensa, nem a hotelaria da Paulista, nem a sociedade, tampouco os votos nas urnas.

Uma criança como aquela...não tem voz!

No entanto, talvez seja a voz muda que mais grita aos olhos nús do anti-preconceito, a "diferença' mais perversa, aquela que tira a chance...e que leva o tempo...para sempre, na literal "calada da noite"...

De todas as suas perdas, aquelas balinhas pelo chão, talvez fosse a menor das perdas da frágil doce infância... a das "balas perdidas".

Amanhã logo cedo, um varredor de ruas dignamente estará recolhendo aquelas balinhas esmagadas no asfalto...como também os resquícios da "alegria da Paulista" que acredita lutar pelas desigualdades...

E tudo voltará a ser...como sempre foi...

Tomara naquele mesmo asfalto, as minorias dos palcos da ilusão gritassem pelos anônimos sem voz...e não apenas fomentassem as tramas dos ocultos bastidores, acreditando que ecoam as vozes da igualdade...