ARRAIAL DAS FORMIGAS

ARRAIAL DAS FORMIGAS

As minas têm essas coisas: Monte Azul, Pedra Azul, Rio Pardo de Minas, Mato Verde, Montes Claros, Mirabela, Brasília de Minas e tantas outras cidades cujos nomes remetem à topografia ou a alguma peculiaridade da região. Não é por acaso que Montes Claros chamava-se Arraial das Formigas.

O homem de Picos estava nos Montes Claros de Minas, morando por lá há trinta anos. Casado apenas com uma mulher, o pobre velho esperava que sua gata viesse miar em seu quintal. Contudo, naquela noite, assim como em outras de várias semanas anteriores, seu “marreco” não enfiava o pescoço no ninho de João-congo. Há muito tempo, ele não cachimbava.

Desapontado, desceu um vão e meio de escada, até à sala de seu computador. Ligou-o e começou a produzir textos, literários e não; conseguiu fazer humor, já que amor há muito não fazia...

Absorto com a produção de textos, sentiu de uma formiga, sobre a pele, as patas. Não apenas uma formiga, mas dezenas, uma vez que estava no Arraial das Formigas. Bateu o pé no chão com força, tentando desfazer-se das intrusas, mas uma delas, uma delas, sorrateiramente, enveredou-se roupa a dentro e picou-lhe o maneco.

- Aiiiiiiii...

O pobre velho tirou a bermuda, virou-a pelo avesso e sacudiu, sacudiu, sacudiu... Com o barulho produzido pelas tábuas do assoalho, sua mulher acordou e aproximou-se, pé ante pé, pisando macio feito gata a caçar ratos. Chegou tão mansamente que o poeta não percebeu os dois grandes olhos descortinados que vigiavam seu incessante trabalho de copiar e colar textos de seu arquivo particular para um site da Internet.

- Eu sabia que o pegaria... Ora essa! Tô sendo traída pela Internet! Conectado... e pelado, de frente ao computador. Pode me explicar isso?!

- Não há nada errado; nada que caiba alguma maldade. Isso é imaginação sua. Aconteceu que várias formigas subiram em minha perna, e uma delas me picou o regalo, pertinho da cabeça do marreco. O computador, de fato, está ligado, mas não é na Net. Estou produzindo textos.

Acreditando ou não, ela voltou para a cama. Logo depois, o humorista desligou o computador e também subiu a escada em direção ao dormitório, em silêncio, para não perturbar sua gata. Mas a sua mulher é que parece ter ficado excitada pela fantasia de sua imaginação, talvez pensando em cenas promíscuas. Afinal, dizem que a Internet está cheia dessas coisas... Por isso, só de calcinha, esperava o marido na cama.

Afoito, o velho deu-lhe uma cachimbada, em demorado coito. E, exaustos, os dois desmaiaram em leve sono. Puxou um ronco, mas a mulher tirou apenas um cochilo e restaurou as forças. Acordada, acordou o velho, querendo mais uma cachimbada, e ele, novamente, sentou-lhe a mutamba.

...

DA OBRA: SENDA DE FLORES E ESPINHOS (Adalberto Antônio de Lima)