CANDIM DE MARIANO

CANDIM DE MARIANO

Candinho nasceu em 1902 e, tal como os nascidos em seu tempo, para fazer a primeira barba teve de pedir autorização ao pai. Nos idos de 1900, os pais eram como que semideuses, admirados e respeitados como seres superiores. Ninguém dormia sem antes pedir a bênção e, ao acordar, o procedimento era o mesmo: “Bença, pai; bença, mãe!"

Casado com Dona Josefa, e fiel a ela até o dia de sua viuvez, Mariano era pai de doze filhos do primeiro casamento, entre eles, Candim, nascido nas primeiras barrigadas de Dona Zefinha. Filho obediente e trabalhador, jamais falara sequer um palavrão na frente dos mais velhos e, desde os cinco anos de idade, trabalhava nas pesadas lides do campo. Ora, se para fazer a primeira barba os rapazes do século XVIII precisavam de autorização superior, muito mais reverência e cuidado teriam que ter com os assuntos pertinentes às suas necessidades de homem sexualmente maduro. Sobre esses assuntos eram muito reservados. Somente aos dezenove anos Candim pediu um dedo de prosa com Seu Mariano, mas tinha que ser a sós, longe da mãe e dos irmãos mais velhos.

No dia seguinte, o velho procurou um jeito de ficar a sós com Candim e chamou-o para aceirar a cerca da vazante. Os outros filhos quiseram acompanhá-los, mas Seu Mariano disse: “Precisa não; o serviço é pouco eu vou só com Candim. Vocês vão amolar as foice, machado e enxada, porque amanhã vamos trabalhar na Serra dos Bonitos.” No fim da tarde, deu-se início à conversa.

- Você tá querendo falar comigo, meu fi? Pois diga; aqui não passa ninguém pra ouvir nossa prosa.

-Tô, pai. Eu tô com vergonha de pedir ao senhor, mas eu queria conhecer mulher.

-Você está querendo casar, pois case; já vai fazer vinte anos!

-Não, pai. Por enquanto não. No ano vindouro, se o senhor me deixar plantar só pra mim, na Nova Descoberta, e se for ano bom de chuva, começo a construir a casa quando vender o feijão.

- Então, o que quer?

- Quero ir nos Picos. Resolver uns assunto de hôme; o senhor sabe...

- Isso é coisa de hôme mesmo. Mas o hôme só deve conhecer sua própria mulher. Tome aqui dez minréis e vá fazer sua vontade. Pode largar o serviço; já tá na hora de guardar a foice. Vá na frente. Se sua mãe preguntar pur mim, diga a ela que daqui a pouco eu vou... - “Deus tenha compaixão desse rapaz.”, dizia o velho para si mesmo.

Candim adiantou os preparativos para realizar o grande sonho de ter intimidade com uma mulher. Passou na cacimba, jogou umas cuias d’água no corpo e foi pra casa. Meio na surdina, vestiu uma roupa limpa e derramou na cabeça um vidro de extrato Dircy, uma ampola de mais ou menos cinco milímetros de perfume barato, comprado na feira de Picos. Saiu caladinho e, quando a mãe reparou, só viu seu vulto, pois Candim já ia longe...

Naqueles tempos, mulher de vida fácil era difícil! Só nos ‘Pico’. Só nos Picos, distante sete léguas dali, era possível encontrar alguma mulher pra fazer tafularia. Esse modo de vida não agradava a um homem religioso como Seu Mariano; precisava casar o filho, e logo, porque o homem só deve conhecer a mulher com quem se casa. Não era tão cego assim para não perceber que as coisas estavam mudando muito... Deus haveria de perdoar a seu filho por essa incontinência.

Dois dias depois, Candim estava de volta; andara léguas e léguas a pé, tanto pra ir quanto para voltar. Meio envergonhado, entrou em casa, desconfiado, mas com o semblante alegre, apesar de uma dor fina nas partes vergonhosas.

A mãe ficara sabendo pelo marido. Seu Mariano guardaria outro segredo, mas aquele não pertencia somente a ele. Com pouca conversa, disse à Dona Zefinha: “Mulher, precisamos arranjar um casamento pra Candim. Ele já está andando atrás de rabo de saia.”

Dali em diante, vez por outra, o filho pedia dez minréis ao pai que, constrangido, nem lhe perguntava por que aquele gasto desnecessário, sete ou oito vezes por ano. Até por uma questão de economia, era preferível casar o rapaz.

Sempre que podia, Candim visitava a quenga que quebrara o cabresto de seu "marreco", aquele freio que tanta vergonha o fazia passar diante dos poucos rapazes de sua idade que não eram mais virgens. Agora, ninguém mais podia dizer. “Vixe! Você ainda tem bico-de-candeeiro?"

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DA OBRA: SENDA DE FLORES E ESPINHOS (Adalberto Antônio de Lima)