A melhor idade
Não sei quem cunhou este “apelido” à terceira idade, mas sei que é, no mínimo, polêmico. Melhor idade de quê? Seria se as aposentadorias fossem suficientes para uma vida digna, se a saúde pública pudesse comportar a demanda de forma adequada sem que houvesse a necessidade de se pagar um convênio particular, se a longevidade que a cada geração aumenta pudesse trazer consigo uma boa qualidade de vida. Mas não é exatamente isso que se vê, ao menos para a grande maioria da população brasileira.
Mas é interessante o fato de que nossa sociedade está começando a pensar nos até então esquecidos velhinhos – mesmo porque a nossa pirâmide etária vem engordando no topo a cada censo feito; e, à semelhança de países de primeiro mundo, a tendência é que em breve sejamos um país de idosos. Começam a surgir ações como a acessibilidade, alguns benefícios e atividades específicas - o que pude comprovar numa simples ida ao parque.
Este parque, chamado de Fernando Costa (ou Parque da Água Branca para nós, moradores das redondezas), foi criado no começo do século 20 para abrigar atividades relacionadas à agricultura e pecuária, um recinto de exposições e a Secretaria de Estado da Agricultura; trata-se de uma belíssima área verde e edifícios bastante ricos em sua arquitetura normanda, com alamedas e lagos espalhados numa área total de 136 mil metros quadrados.
Freqüentei este parque com meu pai na minha infância, e agora volto a visitá-lo levando minha filha. Certo que tenha decaído muito, principalmente depois que as exposições de gado foram transferidas para outras águas, o parque da Água Funda; mas está se recuperando desde que foi tombado pelo Patrimônio Histórico do Estado de São Paulo, em 1996.
O que pude ver lá, num sábado ensolarado, era uma profusão de velhinhos. Casais de rostos vincados trocando selinhos sentados nos bancos de concreto à sombra das frondosas árvores; vovôs passeando com seus netos; senhores de idade avançada, mas de físico perfeitamente conservado, correndo pelas alamedas; senhoras tricotando seus casacos com grossos óculos sob a luz do sol.
Mais adiante, percebi uma multidão cuja idade, somada, teria casas decimais suficientes para dar a volta na Terra. Curiosa, cheguei mais perto do local que abrigava tamanha experiência de vida junta: era um baile da melhor idade. Sábado, às quatro da tarde. E gratuito.
O que vi me comoveu. Dezenas de casais dançando de rosto colado dentro do salão, e outras dezenas do lado de fora, sentados nas inúmeras cadeiras espalhadas na alameda. Havia todos os tipos de vestimentas possíveis: senhores com sapato de verniz, camisa de manga longa e calça social; outros de bermuda, camisa pólo e sandálias. Senhoras com vestidos de discretos brilhos e sapatos de salto; outras com moletom e camisetas. Havia um senhor todo de branco, sapatos inclusive, que julguei tratar-se de um médico em sua folga; e um casal vestido como se fosse se apresentar num concurso de danças, paramentado com roupas um tanto chamativas para o local - e para a idade de ambos. Mas uma coisa era comum a todos: a alegria.
Saí do parque com um sorriso no rosto, pois a velhice que sempre vi com olhos de apreensão estava ali, estampada de forma divertida, serena e saudável, num belo parque de idade semelhante à de seus freqüentadores. Lembrei-me de meu tio (e padrinho) que, aos 80 anos, viúvo, ainda muito belo, ativo e saudável, tem uma namorada - recente. Lembrei-me de minha avó, já com mais de 90 anos, ainda dizendo: “quando eu ficar velha...”. E de muitos outros idosos que levam a vida como se, enfim, tivessem chegado à melhor de suas idades.
Absorta com estas lembranças, mal reparei no rapaz que distribuía folhetos à saída do parque. Ofereceu-me um que peguei, distraída, e antes que eu pudesse soltar um grito de horror, revolta e protesto que espantaria os inúmeros pássaros que povoavam aquelas árvores centenárias, o rapaz me explicou:
- Não é para você. É para levar sua mamãe, sua vovó...
Era uma propaganda de um baile da terceira idade. Ou da melhor idade, como dizia no folheto.