O sétimo dia
Enquanto espero em pé que o trânsito volte ao normal para que o ônibus continue a andar, eu imagino como seria estar em outro lugar. Talvez se eu tivesse grana estaria dentro de um carro, com o ar ligado, ouvindo uma dessas músicas classudas, que só quem desenvolveu a paciência proveniente da cegueira intelectual consegue sentir prazer.
Porém permaneceria o congestionamento, o tempo parado e lá dentro do meu ford focus eu pensaria em como seria bom morar perto de onde trabalho e poder fazer uma caminhada leve na Zona Sul antes de escurecer. Levando uma vida assim, saudável e animada, onde meu espírito revolucionário manteria-se aceso com discussões sobre os buracos na pista de cooper.
Mas por que parar por aí? Não precisaria trabalhar se fosse uma high society, resolvendo problemas de champanhe e caviar e marcando uma consulta para levantar meus peitinhos.
Ah, sem essa de problemas de qualquer tipo, melhor ser infinitamente rico e ter dentro da minha moradia, tudo que preciso. Beber o que quiser à qualquer hora, fazer o que quiser, não trabalhar com nada, pois, pelo que dizem por aí, trabalhar é, e sempre foi, o maior mal da sociedade.
Só que ainda assim eu teria que me levantar, gastar calorias, me mexer. Melhor então um capacete de realidade virtual, onde minha vida é apenas um chip, uma sucessão de felicidades numa cadeira de um quarto vazio qualquer. Na minha solidão real, eu teria todo o prazer que é viver num mundo que gira ao meu redor, cedendo finalmente ao épico egocentrismo humano.
Contudo, se a Terra é um pálido ponto azul sobre um rastro de sol, o que seria eu? Uma poeira, um nada, algo insignificante. Então percebo que seja lá qual vida que leve, existirá sempre o pensamento e enquanto não aprender a conviver com o jeito que penso, não terei paz.
Entretanto o trânsito, assim como a vida, recomeçou seu andar e por isso, fecho meus pensamentos com a batida idéia de que o único descanso real é a morte. Será? Talvez até ela pense que não.