O Cortiço
Antes de morar na minha casa atual, morei durante três anos em um condomínio de casas aqui em Porto Alegre. Era um terreno composto por apenas sete casas tipo sobrados. Por mais que as casas fossem separadas, a privacidade acabava sendo prejudicada. Nesse tipo de construção moderna, a gente pode ouvir todo e qualquer ruído vindo da casa ao lado (sim, todo e qualquer!), assim como podemos ser ouvidos também. As crianças sempre querendo tumultuar o pátio coletivo e os cachorreiros querendo dar liberdade aos seus cães naquele espaço.
Dia de reunião era uma beleza! Cada qual com a sua lista de reclamações. Já chegavam “armados” contra qualquer tipo de argumento. Inclusive eu! Quem vai pra guerra tem que ir com munição e colete a prova de balas. E eu sou filha de militar, portanto devo honrar a tradição.
Certa vez houve uma reclamação das menos relevantes que se tornou o ponto alto da reunião. A minha vizinha da casa quatro gostava de pintar, lixar, fazer vários tipos de trabalhos manuais em frente a casa dela. Ela vivia arrumando tudo. Lavava, aspirava, costurava, etc. Ela fazia tudo isso vestida num shortinho daqueles colados ao corpo. Aliás, colados não, pareciam que tinham nascido junto com ela, inseparáveis do corpo. Assim, outras vizinhas já haviam comentado comigo que não gostavam da superexposição da moça. Eu, na verdade, pouco estava interessada no assunto, já que também gosto de um exibicionismo de vez em quando e já que eu sabia que o meu marido não tinha nenhum tipo de interesse na mulher. A vizinha da casa seis, por sua vez, tinha um marido daqueles que não pode ver um rabo de saia. Está escrito na testa dele!
Outra vez, por causa de algum problema em relação aos fios de luz do condomínio, o mesmo homem que não pode ver um rabo de saia, também não pode perder uma briga. Estavam aos berros, enfiados na caixa de luz, batendo boca, o tal já citado e o vizinho da casa sete. A mulherada, achando que ia amenizar as coisas, ficava em volta falando pelos cotovelos. Cada esposa tentando acalmar o seu marido. Mas o da casa seis não tinha jeito. Logo tratou de ameaçar o vizinho dizendo que ia buscar a arma. A esposa dele, já com a cara no chão pelo show que o marido estava promovendo, achou melhor entrar e não tentar mais nada. Por pouco a polícia não teve que ser chamada ao condomínio Bela Vista, que de bela não tinha nada, pois logo atrás do mesmo havia uma favelinha com meia dúzia de barracos que aos domingos de manhã ouviam “atoladinha” milhares de vezes, se estendendo até o final da tarde a atolação.
Assim foram os três anos em que vivi em condomínio. Sentia como se tivesse sido inserida na obra “O Cortiço” de Aluísio de Azevedo. Logo tratei de mexer meus pauzinhos para morar numa casa onde eu decidisse a cor da tinta, onde eu pudesse andar pelada, onde eu pudesse gritar a vontade, onde eu pudesse deixar meus cães soltos no pátio. E a única certeza que tenho é que do cortiço eu quero continuar apenas leitora, não quero fazer parte dele.