DESPEDIDA
Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão
deixo o mar bravo e o céu tranqüilo:
quero solidão.
Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces? - me perguntarão.
- Por não ter palavras, por não ter imagens.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.
Que procuras? - Tudo. Que desejas? - Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.
A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação...
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?
Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão!
Estandarte triste de uma estranha guerra...)
Quero solidão.
Cecília Meireles
Estranha guerra, estranho ano. Era necessário um fechamento para tudo o que passou. Busquei em Cecília. Só ela para traduzir meus sentimentos neste dezembro. Ano nem tão bom, nem tão ruim. Ano nem tão claro, nem tão sombrio. Estranho ano.
Sei que o calendário é invenção humana. Que uma troca de datas é só uma convenção, tudo, absolutamente tudo, dependendo dos rumos da História, poderia ter sido diferente. E por mais que as explicações místicas e científicas existam, a troca de ano é só um dia depois do outro, é só uma meia-noite, é só um despertar em uma nova manhã, no mesmo lugar, na mesma hora, na mesma vida e, ainda, debaixo da mesma pele, do mesmo rosto, do mesmo signo.
Mas, estranhamente, da mesma forma que o ano, a troca do número, a cada doze meses, me enche de uma sensação de esperança. Não sou mais a criança de tempos atrás, que comemorava, que enchia a alma de sonhos, que prometia maravilhas, que esperava retribuições. Não, eu mudei, com o passar dos anos. Hoje, seguro minha taça de champanhe às doze horas, e eu adoro champanhe, e os olhos brilham, e se enchem de água, um tanto culpa da hipnotizante bebida, eu sei, e a emoção toma conta de mim, e minhas mãos tremem, e meu sorriso titubeia, e eu costumo olhar para o céu, para os fogos, para algo além de tudo isso, algo que o ano inteiro neguei, e penso: pode ser diferente. Por que não?
Gosto desse poema que clama por solidão. 31 de dezembro é uma noite que se passa com todos que foram amados durante o ano. Queremos amigos, queremos família, queremos o amor, mas, embora todos se abracem ao soar das doze badaladas, o que iniciamos ali é mais um solitário caminho, é mais uma luta pessoal e intransferível pelo que desejamos para nós mesmos, pelo que buscamos para nossas existências, pelo que esperamos encontrar.
Cada abraço é um consolo do corpo para outro corpo, tristes estandartes que ruidosamente se despedem do estranho ano e silenciosamente anseiam pelo próximo, seja como for, e que furiosamente juram que amanhã, dia 1º de janeiro de 2006, a primeira coisa que farão é escancarar as janelas.
E nós que vamos, sem saber para onde, tomamos o Ano-Novo como um banho de sal grosso e força, não para recomeçar; para continuar.