Eu tenho um sonho... ou tenho um delírio?

(Sugestão: Antes de começar o texto, escute a música “Alucinação" do Belchior. )

Essa semana me peguei pensando sobre a seguinte questão: “acreditar que o mundo pode ser um lugar melhor é um delírio ou é um sonho?”.

Sim, talvez eu seja delirante, porque creio com muita força na possibilidade de um mundo melhor, de pessoas melhores.

Conforme o dicionário “O delírio é um estado de alteração mental que faz com que um indivíduo apresente uma visão distorcida da realidade”. Também é uma crença que não pode ser compartilhada com outras pessoas.

Há dados perceptivos que hoje corroboram a ideia de que sou delirante. Algumas notícias recentes demonstram comportamentos humanos cruéis: um pai que mata seu filho jogando-o da ponte. Uma mulher que dá farinha envenenada para a família. Esse é o mundo em que ocorrem genocídios e guerras. Mas a dúvida sobre a bondade do ser humano pode começar nas pequenas vivências cotidianas: no(a) empresário(a) que explora seus funcionários, no político que rouba a população, no desconhecido que te xinga no trânsito, entre outros exemplos, do que poderíamos chamar dentro de um “espectro” de ações. É difícil não ficar triste ou com uma sensação de amargor ao pensar em tudo isto. Então, talvez acreditar em um mundo melhor seja um delírio. Talvez.

Eu olhei para este mundo, para toda a dor que existe, para os atos cruéis que ocorrem, eu ousei me importar, eu me permiti ser empática demais, e então rompi com a realidade. Tanta esperança é a prova do meu rompimento.

Ou não?

Não! Não é um sentimento que vem apesar da realidade, mas exatamente por causa dela. É uma esperança que nasce do mais profundo desespero. Porque se eu olho para o panorama atual, com atenção, eu não suporto. Então é o modo como consigo sustentar no peito um coração que bate e que dói ao ver a miséria, a corrupção, a violência.

Só que a esperança, sozinha, não resolve o problema. Ela só ajuda a suportar. E eu não quero simplesmente ficar sonhando e me sentindo impotente. Como diz Belchior “amar e mudar as coisas me interessa mais”.

Mas como, como mudar uma realidade tão complexa? Será que eu - que sou apenas uma garota latino-americana, com pouco dinheiro no banco, sem parentes importantes e vinda do interior – posso fazer algo?

Sabe, leitor, vou compartilhar algo que aprendi recentemente. Aprendi com quem admiro, mas também com os políticos que não gosto, com pessoas cujo comportamento não concordo, mas que possuem muitos simpatizantes: você pode influenciar as pessoas.

Então me agarro na esperança com todas as forças que tenho, e a alimento. Penso: há também muitos exemplos de comportamentos generosos e empáticos acontecendo o tempo todo. Pessoas que se dispõe a renunciar ao seu tempo livre para fazer trabalho voluntário. Empresários que se preocupam com o bem-estar dos seus funcionários. Profissionais que se dedicam a salvar outras vidas. Pesquisadores descobrindo novos modos de tratar doenças. Um vizinho que te ajuda a dar um nó na gravata porque você não sabia. Além disso, há lugares no mundo com baixas taxas de criminalidade e um senso maior de felicidade na população. Esses exemplos parecem apontar que seria possível um mundo melhor, locais que mais pessoas têm acesso a uma qualidade melhor de vida.

Sonho ou delírio?

Seres humanos são complexos. A dinâmica das relações humanas é complexa. Quem somos se depara com outro ser humano e surgem sentimentos. Alegria, raiva, tristeza, amor, nojo. Às vezes a ideia de bem e mal fica confusa em nossas relações.

Por que falar de esperança nesse mundo? Não estamos cansados de ter esperança? Por que falar de valores quando tantos parecem não se importar?

A resposta é: porque a moral é construída coletivamente. A vida é construída coletivamente. O mundo é como é, mas o futuro ainda está por vir. A vida, as pessoas, estão em movimento. Quando falamos e criamos leis, normas, e convenções sobre o que é aceitável e o que não é socialmente, estamos construindo a moral. Quanto mais pessoas falarem que a violência não é aceitável, menos ela será. Quanto mais pessoas falarem que não é aceitável roubar, menos será. Mas se você vê seu coleguinha roubando, agredindo, ameaçando, e acha bonito, e/ou acha que não tem problema fazer igual, você está espalhando no mundo essa moral. Se você se sente inspirado por uma boa ação, e resolve também fazer uma boa ação, você vai difundindo no mundo essa moral.

Nos espelhamos uns nos outros, mas também em ideais e valores. Estes são importantes, porque são uma bússola quando as coisas estão difíceis nas relações e na sociedade. É aquela velha máxima: olho por olho e o mundo acabará cego.

Este não é um texto neutro. Ele tem objetivo de influenciar pessoas. Eu não cheguei aqui sozinha, e não quero seguir sozinha. Viver é melhor que sonhar.

Sonho ou delírio?

Depende. Se acredito sozinha em um mundo melhor, é delírio.

Se mais uma pessoa acreditar, é menos delírio.

Se três acreditarem, é menos delírio.

Daqui a pouco se torna um sonho.

Se torna realidade.

Tomara.

P.S.1: A maioria das pessoas não é totalmente “boa” ou totalmente “má”. Somos compostos de sombras e luzes ao mesmo tempo. Você pode ficar mais “iluminado” ou mais “sombreado” dependendo do que lhe acontece hoje e do que lhe aconteceu no passado. Ser bom não significa aceitar tudo. Não significa não ter raiva. Não significa não errar.

P.S.2: Nossas emoções intervém o tempo todo entre os nossos valores ‘na teoria’ e os nossos valores ‘na prática’. Ter regulação emocional não é tarefa fácil. Muito mais difícil se você não teve bons exemplos e experiências em sua vida. Eu posso compreender isso. Mas não concordo que as coisas não possam mudar.

P.S.3: Acredito que precisamos urgentemente diminuir o tempo na internet e se conectar à comunidade próxima. Mas não podemos descartar totalmente. É uma ferramenta poderosa de comunicação.

Sugestão final: música “Como nossos pais” - Elis Regina.