A SAL-DADE E O MOTORISTA DE TÁXI

 

O ressentido como herói

Antes de dormir, um pequeno excerto.

 

Travis Bickle, personagem visceral de Taxi Driver, nasceu da mente de Paul Schrader, roteirista que escreveu essa história como sua última tentativa de se firmar em Hollywood. Era isso ou a pobreza. O filme, dirigido por Scorsese na Nova Hollywood, acabou por tornar Travis um ícone: um ressentido, um underdog que, de maneira torta, se torna um herói.

 

Mas as intenções de Travis não são boas. Ele é um misantropo que usa sua força de vontade, seu treinamento físico, não para conquistar um amor — como quando convida a bela jornalista para um encontro e, na sua visão torpe, a leva para assistir a um filme pornô, numa das cenas mais bem recortadas da história do cinema. Ele treina, busca a perfeição física, usa o suor do seu trabalho como taxista não para viver melhor, mas para comprar armas e se tornar um justiceiro.

 

Na verdade, Travis é um símbolo do eleitor de Bolsonaro ou Trump: o ressentido de extrema-direita que acredita que os imigrantes roubam seus empregos, que internaliza a raiva e vê sujeira por toda parte, repetindo que a cidade precisa ser “limpa” — uma limpeza que ele mesmo pretende executar. Ele aprende a manusear armas, usa sua criatividade e até uma certa inteligência para criar um artefato que lhe permite sacar uma arma mais rápido.

 

E então vem a cena: Travis se fita no espelho, dizendo “Are you talkin’ to me?”, e Robert De Niro transforma uma improvisação numa das sequências mais icônicas do cinema. Como todo ressentido, ele se vê como um “homem bom”. Mas quando seu atentado terrorista contra um político dá errado, ele volta sua raiva para outro alvo e acaba “salvando” uma prostituta mirim, brilhantemente interpretada por Jodie Foster.

 

No final, seu ato violento o torna um herói, e a mulher que o rejeitou até parece sentir algo por ele. O que prova que, quando a vontade de potência age, ela pode até mesmo atrair a pessoa amada — ainda que as causas sejam escusas e fruto do ressentimento.

 

Eu sigo outro caminho

 

Mas o modus operandi do taxista é completamente diferente do meu para conquistar quem amo.

 

Eu me foco em mim. No meu cuidado pessoal. Em me tornar a melhor versão de mim mesmo. Cuido da aparência e do intelecto, do corpo e da mente, como se eu fosse uma estátua renascentista. Talvez o próprio Davi de Michelangelo — só que com o pau grande, grosso e moreno, que ela não possa dizer não.

 

E não só pelo tamanho descomunal do meu membro, mas porque o amor verdadeiro faz até passar despercebido e a pessoa não ligaria nem mesmo se ele fosse do tamanho do Davi original. Mas, convenhamos, é um plus a mais ter um pau grande, né? (risos)

 

Brincadeiras à parte (só a parte do pau grande que é verdade), isso não seria nada se eu não tivesse uma beleza interior ainda mais bela do que a exterior, uma elegância e um conteúdo maior do que o próprio pau. Que, sejamos sinceros, quem já teve o privilégio de vê-lo ereto, rijo, no meu corpo nu esbelto… bom, não se arrependeu (risos). 

 

Mas o mais importante é que me concentro em mim. Quero ser feliz sozinho, para que, quando dividir minha vida com alguém, possamos somar felicidade, e não depender um do outro para suprir vazios. Um relacionamento deve ser a união de dois felizes, não de dois tristes que tentam sugar felicidade um do outro.

 

Isso é amor verdadeiro.

 

Beleza e fascínio

Sempre me atraíram belos rostos acima do corpo. Mas quando uma mulher tem um rosto lindo e um corpo impecável, sou tão suscetível à beleza que posso até confundir com amor.

 

Vi uma dessas belezas na volta do trabalho. Um corpo escultural, um cabelo moreno, uma pureza no rosto que arrebata. Mas o que realmente me chamou a atenção foi que, nas duas vezes em que a vi, ela parou para conversar com o vendedor de balas da estação — um garoto um tanto weirdo, que acho até que é autista.

 

A atenção dela para ele, nas duas vezes, só mostrou que talvez seu coração seja tão bonito quanto sua face. Esse cenário me agrada tanto que penso que eu poderia me apaixonar por uma garota assim. E seríamos um casal bonito.

 

Nem preciso dizer que ela é branquinha.

 

O afastamento e as dúvidas

Falando em garotas branquinhas, bonitas e de corpo e conteúdo bonitos, foi uma amiga que me fez refletir: enquanto mulheres como ela fazem questão de falar comigo, estar em contato comigo nas redes sociais — até mesmo uma amiga casada faz questão de falar comigo —, a mulher que amo me repele.

 

A ex-socióloga do Recanto das Letras disse uma coisa que não sai da minha cabeça: enquanto algumas mulheres estão perto, a que eu amo está distante.

 

Isso me gera dúvidas sobre o que esperar do nosso futuro juntos. Sonho, pelo menos, com um reencontro um dia. Depois veremos. Mas, para isso, sigo focado no meu desenvolvimento pessoal, físico e intelectual. Quero mostrar, não para os outros, mas para ela, que sou alguém que vale a pena.

 

Mas, enquanto ela continua ausente, a saudade que sinto se tornou SAL-DADE. Tão barato quanto o sal, porque é abundante e não vale nada.

 

Já o amor por alguém como ela é raro e escasso. Isso sim é SAUDADE com U.