O Tempo e Suas Marcas

Crônica: O Tempo e Suas Marcas

Era uma manhã ensolarada de outono, e o parque estava recheado de cores. As folhas, em suas diversas tonalidades de amarelo, laranja e vermelho, pareciam um tapete mágico estendido sob os pés dos passantes. No meio deste espetáculo da natureza, estava Dona Lúcia, uma senhora de cabelos brancos e sorriso sereno, sentada em um banco, observando o vai e vem dos jovens, suas risadas e preocupações.

Dona Lúcia sempre adorou aquela hora do dia em que o sol brilha, mas não ardente; um momento em que a paz se mistura à melancolia. Olhando ao seu redor, lembrou-se de que, há algumas décadas, ela também corria pelo parque, cabelos ao vento, coração pulsando de juventude. O tempo, porém, é um artista que pinta a vida em traços sutis; ele não se apressa, mas ao mesmo tempo não espera. Com o passar dos anos, as corridas pelo parque deram lugar a caminhadas lentas. Dona Lúcia sorriu ao lembrar das vezes em que seus netos a chamavam de "vovó velocista", e agora ela própria ria dessa ironia silenciosa.

Enquanto a brisa leve acariciava seu rosto, Dona Lúcia pensava nas marcas que o tempo lhe deixou: as rugas como histórias contadas, cada sulco um capítulo da vida. Não se importava com a idade que lhe diziam ter. Ela sabia que envelhecer era um privilégio, uma conquista. "Quantos não chegaram a esta fase?", refletiu. O relógio da vida, que muitas vezes parece uma prisão, também pode ser visto como um aliado. Afinal, cada aniversário celebrado era um triunfo sobre os desafios pelos quais havia passado.

A jovem que corria apressada ali perto chamou sua atenção. Vestia roupas de academista, fones de ouvido conectados, em busca de uma metas que, para Dona Lúcia, pareciam tão distantes. Velocidade, pressa, desafios. Era assim que a vida fluía para aqueles que estavam à porta da juventude. "Ah, querida, aproveite cada momento", pensou a senhora, revivendo seus próprios dias de correria e de sonhos. Mas também lembrava-se das tardes quietas, dos livros devorados, das conversas longas à mesa com amigos e familiares.

"O envelhecimento traz sua forma de sabedoria", murmurou para si mesma. Uma sabedoria que não se ensina, mas se conquista através das experiências vividas, dos amores e desamores, dos risos e das lágrimas. Ela percebeu então que o que muitos chamavam de solidão, ela via como uma oportunidade para se redescobrir. Cada manhã era uma nova página em branco, e cada copo de chá tomado ao pôr do sol, um convite à reflexão.

Dona Lúcia levantou-se do banco com um leve estalido nas articulações, mas com um espírito vibrante. Caminhou devagar, mas firme, pelas alamedas do parque. Envelhecer, para ela, era como um livro de receitas. Ao longo dos anos, havia coletado ingredientes variados: paciência, gratidão e amor. E, assim, naquele dia resplandecente, Dona Lúcia decidiu fazer o que mais amava: observar a beleza do mundo e celebrar cada nuance da vida.

Enquanto o sol se punha, tingindo o céu de rosa e dourado, Dona Lúcia sorriu, sabendo que o envelhecer era apenas mais uma forma de viver. E que, assim como as folhas do outono, cada estação da vida tem sua própria beleza, esperando para ser apreciada.

EscritoraVeraSalbego

VeraSalbego
Enviado por VeraSalbego em 14/03/2025
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