Perturbações de uma mente hiperfocada.

Uma manhã quente e luminosa de quarta-feira. Livros na companhia de cadernos. Folhas brancas - ou quase - sujas de várias tentativas do lápis de riscarem algo coerente. O lápis se culpa por tê-la que riscar tanto, mas a borracha a consola apagando seus erros, dando-lhe a chance de tentar outra vez. Palavras, palavras e palavras. Explicações que mais parecem frases soltas sem sentido. Se um canguru da ordem marsupial pula em uma trajetória retilínea uniformemente variada numa chuva convectiva lendo José de Alencar, qual a concentração molar da água bebida pelos gregos na Guerra de Tróia?

A mente dá voltas e mais voltas. As mãos estão secas do atrito da pele contra a borracha já pequena, mesmo as aulas tendo começado em menos de um mês. O lápis, de tão apontado, já estava à beira de seu último grafite. Pulsações nas têmporas. Dedos inchados. Os pés balançam incontrolavelmente, numa tentativa de tornar a monotonia algo mais divertido.

Uma mosca entra pela janela e pousa em cima da imagem de flor da apostila. Esfrega suas pequenas patas. Voa novamente, confusa como o estudante. Fome. Sede, não. A bexiga está cheia, necessita que seja esvaziada. Não pode ir ao banheiro, em um segundo atendendo às necessidades fisiológicas, é provável que perca a informação mais importante da sua vida sobre o vestibular.

Esse é um dia de cansaço do aluno. Nem todos são assim. Geralmente, o cérebro trabalha bem, rápido e com precisão. Associações, cálculos mentais, lâmpadas acendem na cabeça. Contudo, aquele dia era diferente. Tentava procurar a explicação: sono? Preguiça e procrastinação? Assuntos difíceis? Porque diabos ele não conseguia se concentrar? Essa pergunta martelava sua mente tanto quanto o movimentar dos ponteiros do relógio da sala, atrasado em vinte minutos.

Precisava de café. O café já nem fazia mais efeito. Estava obsoleto em seu corpo. Dava sono, contrariamente.

Tenta, como se demandasse grande esforço, escrever em seu caderno com tinta preta. A tinta sai vagarosamente. A letra garranchada. Como? Sua caligrafia sempre foi tão primorosa! Os dedos estão cansados, senhor. Estão cheios de calos. Querem férias. Querem feriados, descansos, salários. Só faz duas semanas de aula! São escravos mecânicos da mente que os ordena trabalhar sem cessar. Trabalham 14 horas por dia, com pouco direito de descanso. Quando não estão anotando teorias complexas, estão desenhando cadeias carbônicas, ou resolvendo problemas confusos de matemática.

Estudar é um privilégio! Não se esqueça disso. Aproveite o seu privilégio até o fim. Se você fracassar, não foi por falta de acesso, foi porque você não quis! Estude! Estude! Como estudar direito? É só estudar! Sabe…ler, escrever…sei lá, tanto faz, estude! A mente repete como se um botão da consciência apitasse o excesso de responsabilidade. Os pais e amigos sentem pena dessa cabecinha jovem tão perturbada.

Foi dormir até tarde estudando. Estudou de manhã até de madrugada. Não dormiu, ou melhor, o fez por somente 4 horas. Os olhos doem com a luz do computador e se confundem com as palavras dispersas naquela folha iluminada fracamente com a noite. Ah, silêncio! Ótimo para estudar! Todos estão dormindo!

Entre questões e revisões, desmaios. Uma forma de descansar após estudar tanto. Ah, mas ainda sim está perdendo tempo! Precisa acordar e estudar, senão o concorrente pegará sua vaga! Acorda! Deixe de corpo mole! Diz a mente, cansada e desesperada.

E assim se repetirá por mais semanas, até que se complete a escola. Depois, continuará na faculdade. No trabalho. Até que a vida se torne esse trabalhar infindável e automatizado.

Descansar para quê? Eu preciso trabalhar! Não consigo ficar deitado em uma rede, sem fazer nada! Dê-me esse computador que trabalho enquanto durmo. Tempo é dinheiro, meu amigo! Produtividade, produtividade, produtividade! Vagabundos são os que dormem durante a noite, os que comem no horário do almoço e os que conversam nos intervalos.

Assim, no fim da vida, questiona-se o que viveu. Com aqueles cabelos brancos, aquela testa e aqueles olhos enrugados de tanto forçarem a vista. Aquelas mãos, antes ávidas, agora tão fracas. As bochechas lisas. As rugas só aparecem se você rir muito. Rir é coisa de quem perde tempo papeando. Só sorriu quando foi aprovado, depois, quando foi contratado, e posteriormente, quando foi promovido.

Não acompanhou os primeiros passos dos filhos, tampouco as festinhas da escola. Não saboreou boas comidas. Comprou uma casa linda, devidamente projetada pelos melhores arquitetos, mas pouco dormia nela. Era para a família, o seu lar era a empresa. Aliás, família essa tão distante, quase desconhecida. Família eram os colegas de trabalho, apesar da competição entre eles por comissão.

Então, lamentável, uma lágrima gorda e pesada pula de seus olhos, e o choro é acordado pelos soluços. Não viveu nada além do esforço incessante. E para que? Não sabe. A sua mente só sempre lhe ensinou a viver assim. Morreu como morrem os pobres, os desempregados, os vagabundos, os feios, os sozinhos. Então, finalmente, percebeu a finitude da vida.

Amélie Durvall
Enviado por Amélie Durvall em 19/02/2025
Reeditado em 22/02/2025
Código do texto: T8268584
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