AS JANELAS DA ALMA
Era uma vez uma rua cheia de vida. Nela, todas as janelas eram como olhos arregalados para o mundo. A senhora da casa da frente fazia o melhor bolo de milho que comi na infância; o vizinho do meu lado direito consertava relógios com a paciência de quem remenda o tempo. A professorinha que morava na esquina tinha sempre uma novidade para contar. Nessa rua, as crianças corriam livres, como se ali fosse um único lar, sem muros ou grades.
Hoje, o burburinho das conversas foi substituído pelo zumbido de aparelhos de ar-condicionado e pelo eco das notificações de celulares. Se alguém adoece, percebemos apenas pela sirene distante de uma ambulância. Se vai embora, descobrimos pelo caminhão de mudança que estaciona discreto, sem despedidas... Imersos nesse mundo de indiferença, não sabemos mais sequer o nome de quem mora ao lado. E, assim, nos tornamos meros ocupantes de endereços, em vez de participantes da vida comum.
Estamos perdendo o hábito de viver em comunidade. Esquecendo de perguntar ao menos: “Tudo bem por aí?”. Será que estamos tão ocupados com nossas próprias urgências que não percebemos que, ao nos isolarmos, estamos nos tornando mais solitários? A troca de gentilezas virou algo raro. Não é que não se precise mais, mas porque seria estranho "incomodar" o vizinho.
Viver em comunidade é uma necessidade humana. Compartilhar problemas e soluções nos fortalece. Saber que há alguém disposto a nos ouvir... traz uma paz que nenhum aplicativo pode oferecer. Talvez as nossas urgências tenham nos feito acreditar que é mais fácil viver assim: com as janelas fechadas para não conhecermos quem está do outro lado e, assim, também não nos mostrarmos...
Que um dia tenhamos coragem de abrir essas janelas, novamente, com aquele sorriso genuíno de antes. E não estou falando de nostalgia. Até lá, a rua continuará morta dentro da vida, antipática, aguardando que alguém redescubra o prazer de ser parte de algo maior do que si mesmo.