Sobre o Natal, Nosso Ego, Porcos Espinhos e Schopenhauer
A proximidade do Natal, e os motivos que levam muitos a "torcerem o nariz" para essa data, me fazem refletir sobre o dilema do porco-espinho, parábola elaborada pelo filósofo alemão Arthur Schopenhauer.
Conforme narrado pelo autor, no período do inverno um grupo de porcos-espinhos procurava se agrupar a fim de se proteger do frio intenso. O tão desejado calor que buscavam ao se apertarem uns contra os outros era rapidamente descompensado pela dor provocada pelos espinhos de cada um. Esse enorme desconforto, então, os forçava a se afastarem para evitar a dor. Entretanto, a imperiosa necessidade de vencer o desconforto os forçava a juntarem-se novamente, e o movimento de aproximação e afastamento ia se perpetuando. Até que os animais finalmente encontraram a distância ideal, que lhes permitiu suportar a proximidade uns dos outros sem se espetarem.
A fabulosa narrativa produz uma imagem clara da complexidade das relações humanas. O filósofo encontrou na figura dos porcos-espinhos uma prática ilustração sobre a dificuldade de encontrar o equilíbrio perfeito entre a necessidade de proximidade e o risco de dor que a proximidade pode trazer. O que se estende para a abordagem dos conceitos de solidão e solitude.
Bem, como eu dizia, não são poucas as pessoas que se referem ao período natalino como algo desconfortável e até mesmo deprimente. Não obstante a lembrança de entes queridos - dos quais eventualmente a convivência tenha sido privada por motivos que escaparam à vontade dos envolvidos - há também, ou principalmente aquelas mais materialistas, solitárias e desprovidas de fé, e que frequentemente identificam o 25 de Dezembro como uma data hipócrita. Noções de amor, fraternidade, caridade, empatia e perdão - por exemplo - são atropeladas por um sentimento de incredulidade que desencoraja dissociar a relevância do evento à foto mais curtida do Instagram.
De fato, se a convivência humana nunca foi fácil, hoje em dia - num mundo onde somos obrigados a transbordar felicidade e espelhar o sucesso por meio de conquistas materiais - juntar a família ao redor de uma mesa numa confraternização cheia de ostentação e competição, ainda menos.
No presépio, a incontestável mensagem transmitida pela manjedoura (afinal, não um rei, mas o Rei dos reis nos ensinou humildade já no ato do seu nascimento) deveria resgatar corações ainda humanizados, mas está longe de ser suficiente. Muitas famílias, diante da "obrigação" dos festejos de Natal - o que se estende para os mais variados exercícios de socialização - se vêem representando, no teatro dos porcos espinhos, a aproximação incômoda que - para o alívio de muitos - só acontece uma vez ao ano.
Quiçá possamos lapidar nossos egos, e contribuir para que as luzes, as músicas e as figuras natalinas prevaleçam, cumprindo o seu papel de promover tolerância, união, paz, amor e fraternidade entre os povos e as famílias. Eu acredito e trabalho para isso.
Lembremo-nos de que, se por um lado somos espetados pelo outro, os nossos espinhos também podem ser bastante incômodos e lancinantes.
Feliz Natal.