No caminho para casa, o paradoxo da velhice e da crença

Saí da escola naquele fim de tarde comum, o sol já a descer no horizonte, e dirigi-me ao ponto para apanhar o ônibus de regresso a casa. Tudo parecia tão habitual, até que me deparei com algo que fugia ao ordinário: um grupo de manifestantes, reunido próximo ao quartel que fica a poucos metros da escola.

Vestiam-se com roupas estampadas com a bandeira do Brasil — camisas, calças, bonés — e empunhavam bandeiras vibrantes. Alguns haviam montado barracas, rodeados de alimentos, como se estivessem a preparar-se para uma longa estadia. Foi uma visão rápida, um vislumbre enquanto o ônibus seguia pela estrada, mas algo naquela cena prendeu-me. Era como se aquelas pessoas estivessem a lutar, mas não contra algo externo; parecia mais uma batalha contra a própria existência.

Ainda que eu saiba bem o que é sentir os conflitos internos da vida, algo me intrigava ali. A maioria das pessoas naquele grupo era composta por idosos. Aqueles cabelos brancos, que deveriam simbolizar sabedoria e serenidade, contrastavam com o que parecia ser uma devoção quase cega a uma causa que, confesso, não compreendia. Tinha a esperança de que a velhice, com o peso das experiências, os tornasse mais sensatos. Mas, ali, parecia que a idade não os protegera daquilo que eu chamaria, no mínimo, de ilusões ou confusões.

Enquanto o ônibus seguia o seu percurso, comecei a divagar. As palavras de certas figuras de autoridade do país ecoaram na minha mente, como se fossem o pano de fundo daquela manifestação. Não era difícil associar os discursos inflamados e polarizadores àquele grupo, postado ali, diante de um quartel, como se estivessem à espera de algo grandioso — ou talvez apenas de uma resposta qualquer para os seus próprios anseios.

Olhei em volta, para os outros passageiros do ônibus. As expressões eram reveladoras. Alguns olhavam pela janela com um desdém óbvio, claramente incomodados com a cena. Outros, porém, tentavam disfarçar, mas nos seus olhos havia algo que os traía: admiração, quase veneração, pelos manifestantes. O que via era, na verdade, um microcosmo da nossa sociedade: a divisão, a tensão, o desconforto de partilhar o mesmo espaço com ideologias tão opostas.

Naquele momento, veio-me à mente uma frase que certa vez li, atribuída a um filósofo: "Quem não gosta de política está condenado a ser dirigido por aqueles que gostam." Olhei de novo pela janela e pensei na profundidade dessas palavras. Talvez aqueles manifestantes, com as suas bandeiras e crenças, fossem apenas o reflexo de uma política que nós, como sociedade, muitas vezes ignoramos até ser tarde demais.

Cheguei ao meu destino com uma sensação estranha. O que mais me incomodava não era o que vi, mas o que senti: a percepção de que, mesmo na minha juventude, não estava tão distante assim daqueles idosos. Todos nós, afinal, estamos apenas a tentar encontrar algum sentido numa existência que, tantas vezes, nos escapa.

Crônica escrito em maio de 2022

Gabriel Tadeu
Enviado por Gabriel Tadeu em 02/12/2024
Reeditado em 02/12/2024
Código do texto: T8210608
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