Alucinação: A Poesia Crítica de Belchior
Durante minha adolescência, em meio à curiosidade e à busca por conhecer a música brasileira além das canções radiofônicas, fui influenciado pelos discos do meu pai. Foi assim que descobri, em minha modesta opinião, o maior compositor do nosso país: o cearense Belchior.
Entre suas criativas e críticas canções, uma em especial capturou minha atenção: “Alucinação”. Essa música, com sua poesia crua e direta, me tocou profundamente, ressoando ainda mais forte aos meus ouvidos.
“Eu não estou interessado em nenhuma teoria, em nenhuma fantasia, nem no algo mais…” As palavras do compositor ecoavam em minha mente, desafiando a olhar além das ilusões e superficialidades que muitas vezes nos cercam. Ela rejeita as teorias vazias e as fantasias que nos distraem da realidade, convidando a enfrentar o dia a dia com coragem e autenticidade.
Belchior apresentava uma visão materialista do mundo, de não acreditar em qualquer ideia sem antes ver o mundo empírico, experimentar o mundo concreto através das sensações para aceitar ou não uma ideia. A letra lembra que a verdadeira alucinação é suportar o dia a dia, encontrar beleza e significado nas pequenas coisas, nas experiências reais.
“A minha alucinação é suportar o dia a dia, e meu delírio é a experiência com coisas reais…” Essas linhas me fizeram pensar sobre a importância de estar presente, de valorizar cada momento, por mais simples que seja. Em uma sociedade que valoriza tanto o consumo e a aparência através das redes sociais, o poeta musical nos desafia a buscar as verdades que se escondem nas entrelinhas da vida.
A canção também traz uma crítica social relevante. “Um preto, um pobre, uma estudante, uma mulher sozinha…” Ele dá voz aos marginalizados, aos invisíveis da sociedade. O cantor e também compositor nos lembra que a luta contra o preconceito e pela inclusão das minorias continua atual - dos anos de chumbo da ditadura militar nos anos 1970 (quando a canção foi composta) aos dias atuais do dito país redemocratizado, a necessidade de levar essa causa adiante para conquistar um país mais plural e igualitário.
“Amar e mudar as coisas me interessa mais…” Essa frase, em particular, sempre me inspirou e lembro dela em diversas ocasiões. Em meio ao caos e à violência urbanas, Belchior nos oferece uma alternativa: o amor e a transformação. Ele nos encoraja a não nos conformarmos com o status quo, mas a buscar ativamente a mudança, a começar por nós mesmos e se estender ao mundo ao nosso redor. Do individual ao coletivo buscarmos situações e realidades por meio de lutas por um mundo, um ambiente mais agradável.
Enfim, a canção trazia a ideia de que, para viver plenamente, é preciso enfrentar a realidade com coragem, valorizar as experiências autênticas e lutar por um mundo mais justo. E, acima de tudo, que a verdadeira alucinação é encontrar beleza e significado no cotidiano, nas coisas reais que nos cercam.
17.11.2024